Geronto Bras. 2025;1(1):3-13
doi: 10.62827/gb.v1i1.0002

ARTIGO ORIGINAL

Suplemento artesanal oral hipercalórico e hiperproteico para pessoas idosas com baixo peso: análise bromatológica e de custo financeiro

Michel Ramos de Faria1, Vera Regina Cerceau1, Marina Cerceau Silva1, Luana de Azevedo Pinheiro2, Hudson Azevedo Pinheiro1

1Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Adulto e do Idoso (ESP/FEPECS/SESDF), Brasília, DF, Brasil

2Universidade Católica de Brasília (UCB), Brasília, DF, Brasil

Recebido em: 5 de Maio de 2025; Aceito em: 19 de Maio de 2025.

Correspondência: Hudson Azevedo Pinheiro, hudsonap@gmail.com

Como citar

Faria MR, Cerceau VR, Silva MC, Pinheiro LA, Pinheiro HA. Suplemento artesanal oral hipercalórico e hiperproteico para pessoas idosas com baixo peso: análise bromatológica e de custo financeiro. Geronto Bras. 2025;1(1):3-13. doi:10.62827/gb.v1i1.0002

Resumo

Introdução: A anorexia do envelhecimento faz com que pessoas idosas diminuam cronicamente a sua ingestão alimentar e apresentem déficits nutricionais importantes de proteínas e calorias. Objetivo: Elaborou-se um suplemento artesanal oral (SAO) hipercalórico e hiperproteico para pessoas idosas com baixo peso e avaliou-se a composição nutricional e o custo financeiro. Métodos: Trata-se de um estudo experimental com análise bromatológica. Para elaboração do SAO foram utilizados os ingredientes: leite em pó (60g), albumina em pó (20g), pasta de amendoim (50 g), aveia em flocos (15 g), chocolate em pó 50% cacau (25g) e água filtrada (200 ml). As análises dos macronutrientes foram realizadas pelo Instituto Adolfo Lutz. Para análise comparativa da composição nutricional referente aos carboidratos (g), proteínas (g), lipídeos (g), densidade calórica (kcal/ml) e do custo financeiro do suplemento artesanal elaborado com os suplementos industrializados. Resultados: O SAO apresentou alta densidade calórica de 3,7 kcal/mL e alta quantidade de proteínas, com a seguinte distribuição percentual de macronutrientes: 24,14% de proteínas, 64,78% de carboidratos e 11,03% de lipídeos. O SAO apresentou cerca de três vezes mais calorias (370kcal X 116 kcal) e cerca de duas vezes mais proteínas (22g X 9g) comparado aos produtos industrializados. Com relação ao custo financeiro, o SAO apresentou-se 42% mais acessível comparado aos suplementos industrializados (R$ 3,05 X R$ 5,32). Conclusão: O SAO apresentou alta quantidade de proteínas, elevada densidade calórica e baixo custo de produção, podendo ser utilizado em alternativa aos suplementos industrializados, principalmente pelas pessoas idosas com baixo peso e condição socioeconômica menos favorecida.

Palavras-chave: Envelhecimento; Desnutrição; Estado Nutricional; Suplementos Nutricionais.

Abstract

Artisanal oral hypercaloric and hyperprotein supplement for low weight elderly people: bromatological and financial cost analysis

Introduction: Anorexia of aging causes elderly individuals to chronically reduce their food intake and present significant nutritional deficiencies in proteins and calories. Objective: To develop a high-calorie and high-protein homemade oral supplement (HOS) for underweight elderly individuals and to evaluate its nutritional composition and financial cost. Methods: This is an experimental study with bromatological analysis. The following ingredients were used to prepare the HOS: powdered milk (60 g), powdered albumin (20 g), peanut butter (50 g), rolled oats (15 g), 50% cocoa chocolate powder (25 g), and filtered water (200 ml). Macronutrient analyses were performed by the Adolfo Lutz Institute. For comparative analysis of the nutritional composition regarding carbohydrates (g), proteins (g), lipids (g), caloric density (kcal/ml), and the financial cost of the homemade supplement made with industrialized supplements. Results: HOS had a high caloric density of 3.7 kcal/mL and a high amount of proteins, with the following percentage distribution of macronutrients: 24.14% proteins, 64.78% carbohydrates and 11.03% lipids. HOS had approximately three times more calories (370 kcal X 116 kcal) and approximately twice as much protein (22g X 9g) compared to industrialized products. Regarding the financial cost, HOS was 42% more affordable compared to industrialized supplements (R$ 3.05 X R$ 5.32). Conclusion: HOS had a high amount of proteins, high caloric density and low production cost, and can be used as an alternative to industrialized supplements, especially by elderly people with low weight and less favored socioeconomic status.

Keywords: Aging; Malnutrition; Nutritional Status; Dietary Supplements.

Resumen

Suplemento oral artesanal hipercalórico e hiperproteínico para personas mayores de bajo peso: análisis de costo bromatológico y financiero

Introducción: La anorexia del envejecimiento provoca que las personas mayores reduzcan crónicamente su ingesta de alimentos y presenten deficiencias nutricionales significativas en proteínas y calorías. Objetivo: Se desarrolló un suplemento oral casero hipercalórico e hiperproteico (SAO) para adultos mayores con bajo peso y se evaluó su composición nutricional y costo financiero. Métodos: Se trata de un estudio experimental con análisis bromatológico. Los siguientes ingredientes se utilizaron para preparar el SAO: leche en polvo (60 g), albúmina en polvo (20 g), mantequilla de maní (50 g), avena arrollada (15 g), chocolate en polvo con 50% de cacao (25 g) y agua filtrada (200 ml). Los análisis de macronutrientes fueron realizados por el Instituto Adolfo Lutz. Para el análisis comparativo de la composición nutricional en cuanto a carbohidratos (g), proteínas (g), lípidos (g), densidad calórica (kcal/ml) y el costo financiero del suplemento artesanal elaborado con suplementos industrializados. Resultados: La SAO presentó una alta densidad calórica de 3,7 kcal/mL y una alta cantidad de proteínas, con la siguiente distribución porcentual de macronutrientes: 24,14% proteínas, 64,78% carbohidratos y 11,03% lípidos. El SAO tenía aproximadamente tres veces más calorías (370 kcal X 116 kcal) y aproximadamente el doble de proteínas (22 g X 9 g) en comparación con los productos industrializados. En cuanto al costo financiero, el SAO fue 42% más accesible en comparación a los suplementos industrializados (R$ 3,05 X R$ 5,32). Conclusión: La SAO presentó alta cantidad de proteínas, alta densidad calórica y bajo costo de producción, pudiendo ser utilizada como alternativa a los suplementos industrializados, especialmente por personas mayores con bajo peso y nivel socioeconómico menos favorecido.

Palabras-clave: Envejecimiento; Desnutrición; Estado Nutricional; Suplementación Dietética.

Introdução

No Brasil a maioria das pessoas idosas são dependentes de pensões e/ou aposentadorias e grande parte desses rendimentos são destinados para despesas médicas como a compra de medicamentos, exames, procedimentos terapêuticos; este cenário implica na aquisição de alimentos com menor qualidade nutricional por possuírem baixo custo e favorece a monotonia alimentar, tendo como consequência o desenvolvimento de déficits nutricionais crônicos [1]. Sob essa perspectiva, são observadas maiores prevalências de baixo peso nas pessoas idosas com menor renda mensal per capita e escolaridade, condicionantes que interferem diretamente no acesso aos alimentos pelas pessoas idosas [2].

O baixo peso em pessoas idosas está associado a diversos desfechos negativos como aumento da incapacidade funcional, internações hospitalares, suscetibilidade a infecções e mortalidade [3].

No Estudo de Fragilidade em Pessoas idosas Brasileiros (FIBRA), realizado em sete cidades brasileiras, os autores buscaram identificar a prevalência do baixo peso em pessoas idosas comunitários e os fatores associados, evidenciou-se uma prevalência 10 a 18% de baixo peso nas faixas etárias de 65 a 80 anos ou mais, variaram de 10 a 18%, sendo significativamente maior nas pessoas idosas com 80 anos ou mais, sem cônjuge, que relataram perda de apetite e rendimento de até 1 salário mínimo mensal quando comparados aos que recebiam três salários mínimos [4]. Esses achados corroboram e demonstram que as condições socioeconômicas e o desenvolvimento da anorexia do envelhecimento são fatores que estão associados ao baixo peso de pessoas idosas comunitários.

A anorexia do envelhecimento é um fenômeno inerente ao processo de senescência, que contribui para diminuição crônica da ingestão alimentar das pessoas idosas. A etiologia desse fenômeno é multifatorial que envolve diminuição da percepção do cheiro e sabor dos alimentos, menor capacidade de complacência do estômago frente a diminuição da produção de óxido nítrico que gera saciedade precoce, esvaziamento gástrico lentificado que gera plenitude pós-prandial prolongada, aumento pronunciado de hormônios anorexígenos como colecistocinina (CCK), glucagon-like-peptide 1 (GLP-1), leptina e diminuição de hormônios orexígenos como grelina e neuropeptídeo y (NPY), dentre outros fatores como a depressão, isolamento social, polifarmácia e condições sócio econômicas [5].

A diminuição crônica da ingestão alimentar gera déficits nutricionais importantes de calorias, proteínas e micronutrientes que predispõem para perda de peso e consequentemente a desnutrição. Sob essa perspectiva, os suplementos alimentares orais hipercalóricos e hiperproteicos estão indicados para aquelas pessoas idosas que não conseguem atingir por meio dieta habitual as necessidades nutricionais. O uso de suplementos alimentares orais pelas pessoas idosas pode aumentar em até 50% a ingestão de calorias diárias e está associado a menor risco de complicações, menor número de readmissões hospitalares, maior força de preensão manual, maior ingestão proteica e energética e em melhora no peso corporal [6].

Contudo, no comércio, os suplementos alimentares orais industrializados destinados ao público de pessoas idosas, são em grande maioria, onerosos e financeiramente inacessíveis. Dessa maneira, os suplementos alimentares desenvolvidos com ingredientes de fácil aquisição podem ser de grande utilidade para atingir as necessidades nutricionais das pessoas idosas por possuírem baixo custo e boa aceitabilidade [7]. Desenvolveu-se um suplemento artesanal oral (SAO) hipercalórico e hiperproteico para pessoas idosas com baixo peso e avaliou-se a composição nutricional e o custo financeiro.

Métodos

Delineamento do estudo

Trata-se de um estudo experimental em que as análises bromatológicas foram realizadas em um laboratório privado de Brasília - Distrito Federal (DF).

Elaboração do SAO

Para elaboração do SAO foram utilizados os seguintes ingredientes: leite em pó instantâneo, albumina em pó sem sabor (20g), pasta de amendoim (50 g), aveia em flocos (15g), chocolate em pó 50% cacau (25g) e água filtrada (200 ml).

As pesagens dos ingredientes foram realizadas na balança de precisão SF-400®. Os ingredientes foram acondicionados em um liquidificador e processados por 5 minutos. Posteriormente, a mistura foi transferida para um recipiente de vidro de 500 ml com tampa e enviadas para o laboratório de análises bromatológicas. Para avaliação da composição nutricional e do custo financeiro da receita foi elaborada a ficha técnica de preparação.

Análises bromatológicas

A amostra do SAO foi enviada para um laboratório privado de análises bromatológicas localizado em Brasília-DF. As análises bromatológicas foram realizadas com base na metodologia proposta pelo Instituto Adolfo Lutz (2008), para análise físico-química de alimentos [8]. Para análise da quantidade de proteínas foi quantificado primeiramente o nitrogênio total, pelo método de micro-Kjeldahl, usando o fator de 6,25 para conversão em proteína. A fração lipídica foi determinada pelo método de extração direta em Soxhlet. O carboidrato foi calculado pela diferença entre 100 (percentual total) e o somatório dos percentuais encontrados para umidade, cinzas, fração proteica e lipídeos. O valor calórico total (VCT) foi calculado utilizando os fatores de conversão de cada macronutriente sendo, [(proteína x 4 kcal/g) + (lipídeos x 9 kcal/g) + (carboidratos x 4 kcal/g)].

Análise comparativa da composição nutricional e de custo financeiro

Para análise comparativa da composição nutricional centesimal referente aos carboidratos (g), proteínas (g), lipídeos (g) e densidade calórica (kcal/ml) do SAO elaborado com os suplementos industrializados, foram selecionados por meio de técnica de amostragem aleatória simples, três suplementos líquidos disponíveis no comércio com indicação de uso para o público de pessoas idosas. Para essa seleção foi realizada uma pesquisa na plataforma de buscas Google com os termos “Suplemento líquido hipercalórico e hiperproteico para pessoas idosas” e todos os suplementos que atendiam os critérios foram listados em uma planilha no software Microsoft Excel 2013. Posteriormente, foram atribuídos números aos suplementos e aplicado a seleção aleatória de três suplementos no software Bioestat 5.3.

Para análise do custo financeiro em reais (R$) foram padronizadas as porções de 100ml para todos os suplementos. Foi realizada a comparação do valor da porção padronizada do SAO obtido por meio da ficha técnica de preparação, com os valores das porções padronizadas dos suplementos industrializados disponíveis na internet.

Para análise do impacto financeiro da utilização diária dos suplementos pelas pessoas idosas em relação ao salário-mínimo de 2021 cujo valor é de R$ 1.100 reais, foi realizada a simulação de uso diário de 200ml dos suplementos durante o período de 1 mês (30 dias) consecutivos e calculado o valor gasto durante este período de utilização.

A análise sensorial foi realizada por meio da aceitação global e índice de aceitação. O teste de aceitabilidade do suplemento foi realizado utilizando-se uma escala hedônica estruturada de 7 pontos (1 = desgostei muito, 7 = gostei muito). Com base na nota média de aceitação global, calculou-se o índice de aceitabilidade (IA) do produto (média da aceitação global x 100 / 7), sendo considerado o mínimo de 70% de IA como limite para considerar que o suplemento fosse bem-aceito pelas pessoas idosas.

Os resultados das análises bromatológicas e custo financeiro foram inseridos em uma planilha no software Microsoft Excel 2013 ®. A avaliação dos dados foi realizada por meio de estatística descritiva.

Resultados

Os resultados das análises bromatológicas estão descritos na tabela 1. O SAO apresentou em sua composição nutricional com base na análise bromatológica, a característica hipercalórica com alta densidade calórica de 3,7 kcal/mL e hiperproteico com a seguinte distribuição percentual de macronutrientes: 24,14% de proteínas, 64,78% de carboidratos e 11,03% de gorduras totais. Não foram realizadas análises bromatológicas de fibras alimentares e de micronutrientes do SAO.

Foram encontrados valores de macronutrientes divergentes entre a ficha técnica de preparação e da análise bromatológica. Para o cálculo dos macronutrientes dos ingredientes leite em pó integral e aveia em flocos foram utilizados os dados contidos na Tabela de Composição Brasileira de Alimentos (TACO) de 2014 [9]. Os ingredientes pasta de amendoim, chocolate em pó 50% cacau e albumina em pó não constavam na TACO e dessa forma, foram utilizados os dados contidos no rótulo do fabricante. A RDC nº 360 da Anvisa de 2003 [10] permite que os rótulos nutricionais contenham uma variação de mais ou menos 20% dos valores de macronutrientes declarados pelo fabricante. Sob essa perspectiva, propõe-se que essa seria razão pela qual os valores de macronutrientes foram discrepantes entre a análise bromatológica e a ficha técnica de preparação.

Ressalta-se que a análise bromatológica é um método experimental em que possui um grau elevado de acurácia na determinação da composição nutricional dos alimentos [8].

Tabela 1 - Composição nutricional centesimal do suplemento artesanal oral sabor chocolate obtida na ficha técnica de preparação e na análise bromatológica

Composição

Ficha técnica de preparação

Análise bromatológica

Carboidratos

16,36g

60,9g

PROTEÍNAS

13,3g

22,7g

Lipídeos

11,38g

4,61g

Valor calórico total

221kcal

376 kcal

Densidade calórica

2,1 kcal/mL

3,7 kcal/mL

Os dados referentes à comparação da composição nutricional e do custo financeiro do SAO com os três suplementos industrializados selecionados estão descritos na tabela 2. O SÃO apresentou 375 kcal, cerca de três vezes mais que a média dos suplementos industrializados (116 kcal), alta quantidade de carboidratos (60,9g) quando comparada à média de carboidratos dos suplementos industrializados (12,6g), alta quantidade de proteínas (22,7g), possuindo cerca de duas vezes mais proteínas que a média dos suplementos industrializados (9,30g) e quantidade de lipídeos (4,61g) semelhantes à média dos suplementos industrializados (5,0g). Com relação ao custo financeiro, o SAO apresentou o custo de R$ 3,05, sendo 42% mais acessível quando comparada à média dos suplementos industrializados (R$ 5,32).

Tabela 2 - Comparação da composição nutricional centesimal e do custo financeiro do suplemento artesanal oral em relação aos três suplementos alimentares industrializados selecionados

COMPOSIÇÃO NUTRICIONAL DE 100ML DOS SUPLEMENTOS

Suplemento

Carboidratos

Proteínas

Lipídeos

Kcal

Densidade calórica

Custo Financeiro

Artesanal

60,9g

22,7g

4,61g

376 kcal

3,7 kcal/mL

R$ 3,05

SAI1*

12,4g

10,0g

6,7g

150 kcal

1,5 kcal/mL

R$ 6,10

SAI2*

16,0g

10,0g

5,3g

150 kcal

1,5 kcal/mL

R$ 4,95

SAI3*

9,4g

8,0g

3,2g

100 kcal

1 kcal/mL

R$ 4,93

*SAI1- Suplemento alimentar industrializado 1 - *SAI2- Suplemento alimentar industrializado 2 - *SAI3- Suplemento alimentar industrializado 3 – Custo financeiro: pesquisa de preço dos suplementos industrializados realizada em 04/01/2021

*SAI1- Suplemento alimentar industrializado 1 - *SAI2- Suplemento alimentar industrializado 2 - *SAI3- Suplemento alimentar industrializado 3.

Figura 1 - Impacto financeiro no salário-mínimo de 2021 com a utilização diária de 200ml dos suplementos durante o período de 30 dias

Participaram do teste 20 provadores voluntários de ambos os sexos, com idade entre 60 e 90 anos. A aceitação obteve a média de 6,08±1,57 e o IA 83,43%, evidenciando que o suplemento foi bem-aceito pelas pessoas idosas.

A análise do impacto financeiro no salário-mínimo com a utilização diária de 200ml dos suplementos está descrita na figura 1. O uso de 200ml do SAO durante 30 dias repercutiu no gasto de R$ 183 reais, valor correspondente a 16% do salário-mínimo. Em comparação à média gasta com uso dos suplementos industrializados de R$ 319 reais, valor correspondente a 29% do salário-mínimo, o SAO foi 13% mais acessível e menos oneroso que os suplementos industrializados.

Discussão

Atualmente tem sido proposto que o aumento da ingestão proteica e calórica diária representa uma estratégia eficaz para manutenção e/ou ganho de peso, massa e força muscular em pessoas idosas, por contribuir para o balanço nitrogenado e energético positivos.

A síntese proteica muscular no idoso é estimulada ao máximo quando a ingestão de proteína fica entre 0,4g de proteínas/kg/refeição ou entre o limiar de 20 a 30g por refeição [11,12]. Sob essa perspectiva, a comunidade científica tem recomendado para pessoas idosas saudáveis a ingestão de uma dieta com 1,1 a 1,2 g de proteínas/kg/dia, com doenças agudas ou crônicas 1,2 a 1,5 g/ kg/ dia e com doenças graves ou desnutrição 2 g/kg/dia [13,14].

Com relação às calorias, é recomendado uma dieta hipercalórica com 30 kcal/kg de peso corporal por dia, devendo esse valor ser ajustado em relação ao estado nutricional, doenças associadas e nível de atividade física do idoso [6].

O SAO elaborado apresentou em sua composição uma alta quantidade de proteínas (22g em 100ml). Conforme as recomendações científicas atuais essa quantidade de proteínas ingerida por refeição seria o ideal para “vencer” a resistência anabólica nas pessoas idosas e estimular ao máximo a síntese proteica muscular [11]. Além disso, outro fator importante é que a anorexia do envelhecimento por diversos mecanismos hormonais e de alterações na motilidade gastrointestinal, promovem saciedade precoce nas pessoas idosas, fazendo com que estes se sintam saciados após a ingestão de uma pequena quantidade de comida sólida e/ou líquidos [5].

Uma vez que o SAO possui 22g de proteínas em uma pequena quantidade de volume de 100ml, poderia ser possível e tolerável o seu consumo total diário pelas pessoas idosas. Os ingredientes leite em pó, albumina em pó e pasta de amendoim foram escolhidos estrategicamente por possuírem em sua composição alta quantidade de proteínas, e especificamente, o leite e albumina em pó por possuírem proteínas de alto valor biológico.

O leite de vaca é um “blend” de proteínas, tendo em sua composição natural as proteínas do soro (β-lactoglobulina, α-lactalbumina e lactoferrina) também conhecidas como Whey Protein e as Caseínas [15]. Essas proteínas do leite de vaca são ricas em aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs), especialmente o aminoácido leucina, que possui a capacidade de promover sinalização intracelular no músculo esquelético para o estímulo da síntese proteica, pela ativação da via mTOR.

Para que que aconteça a estimulação de forma máxima da síntese proteica por esse aminoácido, é necessário que a ingestão de leucina esteja em 1,7 a 2,5g por refeição, dose que é alcançada quando a ingestão de proteína de alta qualidade fica entre 20 e 30g [15]. O SAO apresentou em sua composição centesimal 22g de proteínas de alta qualidade, dessa forma, poderia ser possível atingir o limiar de leucina com o seu consumo.

No estudo de Garófolo [7] com objetivo de elaborar 8 formulações de suplementos artesanais orais para pacientes com câncer, avaliar a composição nutricional e aceitação dos suplementos, foi evidenciado na análise que os suplementos apresentaram alta densidade calórica, adequada quantidade de proteínas e boa aceitação. Concluíram que os suplementos artesanais orais podem ser uma alternativa viável em situações em que não há recursos suficientes para aquisição de suplementos industrializados

No Brasil, o baixo peso é altamente prevalente nas pessoas idosas com a condição socioeconômica menos favorecida, sendo mais predominante em pessoas idosas residentes nas regiões Nordeste e Centro-Oeste. Sob essa perspectiva, o acesso aos alimentos em quantidade e qualidade satisfatórias pelas pessoas idosas ficam prejudicados, favorecendo déficit nutricionais de calorias, proteínas, vitaminas, minerais e a desnutrição [2]. No estudo de Venturini [16] de base populacional, realizado na cidade de Porto Alegre (RS), com objetivo de avaliar o consumo alimentar de pessoas idosas comunitários, foi evidenciado que as pessoas idosas estavam em balanço energético negativo, com a ingestão calórica média de 1320 a 1564 kcal, sendo que a necessidade energética diária estimada era de aproximadamente 1700 kcal.

Neste contexto de balanço energético e nitrogenado negativos, quando a ingestão calórica e proteica somente pela alimentação habitual é inferior às necessidades nutricionais do idoso, a suplementação hipercalórica e hiper proteica está indicada [6]. Porém, os suplementos industrializados destinados às pessoas idosas são em grande maioria onerosos e financeiramente inacessíveis. No presente estudo foi evidenciado por meio da simulação de consumo durante 30 dias, que o uso diário de 200ml dos suplementos industrializados, teria o impacto financeiro médio de 29% no salário mínimo de 2021, condição essa inviabilizaria o emprego dessa suplementação na maioria dos pessoas idosas, tendo em vista que esta população possui menor poder aquisitivo e também grande parte dos rendimentos são destinados às despesas médicas que são aumentadas nessa faixa etária, como compra de medicamentos, consultas, exames e etc. [17].

Em contrapartida, o uso diário de 200ml do SAO, teria o impacto financeiro de apenas 16% no salário-mínimo de 2021, menos da metade do custo médio dos suplementos industrializados. Dessa forma, o SAO desenvolvido é menos oneroso e financeiramente mais acessível para as pessoas idosas cujo a condição socioeconômica é menos favorecida. Além disso, os ingredientes utilizados para elaboração do suplemento são de fácil aquisição, a maioria dos ingredientes já fazem parte da rotina alimentar da maioria das pessoas idosas brasileiros e a produção da receita do SAO é de baixa complexidade. Porém, ressalta-se que por haver maior manipulação para produção do SAO, há menor controle microbiológico quando comparado ao suplemento industrializado, que já está pronto para o consumo, o que pode ser compensado mediante orientações nutricionais visando a segurança microbiológica do produto.

Fornecer opções criativas, palatáveis e a custos módicos aos usuários do SUS é um desafio que cerca todo profissional de saúde. O estudo foi realizado para evidenciar que suplementos produzidos com ingredientes naturais, de forma artesanal e com baixo custo são uma possibilidade viável na recuperação do estado nutricional da pessoa idosa. Divulgar esta possibilidade de suplementação auxiliará outros profissionais na buscar de soluções para recuperação da saúde nutricional da pessoa idosa.

Conclusão

O suplemento artesanal desenvolvido apresentou em sua composição nutricional alta quantidade de proteínas, elevada densidade calórica e baixo custo de produção, podendo ser utilizado em alternativa aos suplementos industrializados, principalmente pelas pessoas idosas com baixo peso e condição socioeconômica menos favorecida. Os suplementos alimentares são grandes aliados para que o idoso consiga atingir suas necessidades de nutrientes diárias e mantenha e/ou ganhe peso. Nesse sentido, as formulações de suplementos artesanais orais elaborados com ingredientes de baixo custo e com características de serem ricos em calorias e proteínas, podem ser de grande utilidade terapêutica.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.

Fontes de financiamento

Esta pesquisa foi financiada pelo Programa de Fomento à Pesquisa da Escola Superior de Ciências da Saúde, com recursos da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde. TOA 05/2023.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Pinheiro HA, Faria MR, Cerceau VR; Coleta de dados: Faria MR, Pinheiro LA; Análise e interpretação dos dados: Faria MR; Redação do manuscrito: Pinheiro HA, Cerceau VR, Silva MC, Pinheiro LA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Pinheiro HA, Cerceau VR.

Referências

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