Geronto Bras. 2025;1(1):14-25
doi: 10.62827/gb.v1i1.0003

ARTIGO ORIGINAL

Capacidade funcional, sintomas depressivos e qualidade de vida: Um estudo com longevos da zona rural no contexto amazônico

Letícia Karen Lima Gomes de Sousa1, Jander Phillipe Diniz Figueiredo1, Gessica dos Santos da Silva1, Milenna Thâmyres Alves do Nascimento1, Mayele Tavares Pacheco1, Jandre Santiago Amorim de Araujo1, Carlos Giovanny Rivas Dugarte1, Inês Amanda Streit1

1Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus, AM, Brasil

Recebido em: 29 de abril de 2025; Aceito em: 20 de maio de 2025.

Correspondência: Inês Amanda Streit, inesamanda@ufam.edu.br

Como citar

Sousa LKLG, Figueiredo JPD, Silva GS, Nascimento MTA., Pacheco MT, Araujo JSA, Dugarte CGR, Streit IA. Capacidade funcional, sintomas depressivos e qualidade de vida: Um estudo com longevos da zona rural no contexto amazônico. Geronto Bras. 2025;1(1):14-25. doi:10.62827/gb.v1i1.0003

Resumo

Introdução: O envelhecimento populacional é um fenômeno global que se torna cada vez mais evidente no Brasil e no estado do Amazonas. Compreender esse processo em diferentes contextos geográficos e socioculturais, como as áreas rurais, é fundamental para subsidiar ações de saúde pública voltada à população idosa. Objetivo: Analisou-se a associação entre capacidade funcional, sintomas depressivos e qualidade de vida em idosos longevos residentes na zona rural de Manaus, AM. Métodos: Estudo transversal, de base populacional e abordagem quantitativa, envolvendo 91 idosos com 80 anos ou mais. Foram aplicados os seguintes instrumentos: Escala de Katz (ABVD), Escala de Lawton e Brody (AIVD), Escala de Depressão Geriátrica (EDG-15) e EUROHIS-QOL. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva e regressão linear. Resultados: A média de idade foi 85,6 anos e a maioria dos participantes era do sexo masculino (49/ 53,8%), de cor parda (65/ 71,4%) e viúva (40/ 44%). Observou-se predominância de independência nas ABVD, com maior dependência feminina nas AIVD. Sintomas depressivos estiveram presentes em 29,6% dos idosos (n=27). Houve associação significativa entre AIVD e qualidade de vida, indicando que maior dependência está relacionada a pior percepção de qualidade de vida. Não foi identificada associação entre capacidade funcional e sintomas depressivos. Conclusão: A limitação nas atividades instrumentais está associada à redução da qualidade de vida dos idosos longevos da zona rural. A ausência de relação com sintomas depressivos sugere influência de aspectos contextuais. Os achados reforçam a importância de políticas públicas que promovam autonomia funcional e suporte social na velhice em áreas rurais.

Palavras-chave: Atividades Cotidianas; Desempenho Físico Funcional; Idoso de 80 Anos ou mais; Depressão; Qualidade de Vida.

Abstract

Functional capacity, depressive symptoms and quality of life: A study with long-lived rural elderly in the Amazon context

Introduction: Population aging is a global phenomenon that is becoming increasingly evident in Brazil and in the state of Amazonas. Understanding this process in different geographic and sociocultural contexts, such as rural areas, is essential to support public health actions aimed at the elderly population. Objective: To analyze the association between functional capacity, depressive symptoms, and quality of life in older elderly individuals living in the rural area of Manaus, AM. Methods: Cross-sectional, population-based study with a quantitative approach, involving 91 elderly individuals aged 80 years or older. The following instruments were applied: Katz Scale (ABVD), Lawton and Brody Scale (IADL), Geriatric Depression Scale (EDG-15), and EUROHIS-QOL. Data were analyzed using descriptive statistics and linear regression. Results: The mean age was 85.6 years, and most participants were male (49/ 53.8%), brown (65/ 71.4%), and widowed (40/ 44%). There was a predominance of independence in BADL, with greater female dependence in IADL. Depressive symptoms were present in 29.6% of the elderly (n=27). There was a significant association between IADL and quality of life, indicating that greater dependence is related to a worse perception of quality of life. No association was identified between functional capacity and depressive symptoms. Conclusion: Limitation in instrumental activities is associated with reduced quality of life of older elderly individuals in rural areas. The lack of association with depressive symptoms suggests the influence of contextual aspects. The findings reinforce the importance of public policies that promote functional autonomy and social support in old age in rural areas.

Keywords: Activities of Daily Living; Physical Functional Performance; 80 and over; Depression; Quality of Life.

Resumen

Capacidad funcional, síntomas depresivos y calidad de vida: Un estudio con longevos en el contexto rural amazónico

Introducción: El envejecimiento poblacional es un fenómeno global que se hace cada vez más evidente en Brasil y en el estado de Amazonas. Comprender este proceso en diferentes contextos geográficos y socioculturales, como las zonas rurales, es fundamental para sustentar acciones de salud pública dirigidas a la población adulta mayor. Objetivo: Se analizó la asociación entre la capacidad funcional, síntomas depresivos y calidad de vida en ancianos residentes en la zona rural de Manaus, AM. Métodos: Estudio transversal, poblacional, con enfoque cuantitativo, en 91 adultos mayores de 80 años o más. Se aplicaron los siguientes instrumentos: Escala de Katz (ABVD), Escala de Lawton y Brody (AIVD), Escala de Depresión Geriátrica (EDG-15) y EUROHIS-QOL. Los datos se analizaron utilizando estadística descriptiva y regresión lineal. Resultados: La edad media fue de 85,6 años y la mayoría de los participantes eran varones (49/53,8%), morenos (65/71,4%) y viudos (40/44%). Se observó un predominio de la independencia en las ABVD, con mayor dependencia femenina en las AIVD. Los síntomas depresivos estaban presentes en el 29,6% de los ancianos (n=27). Se encontró una asociación significativa entre las AIVD y la calidad de vida, indicando que una mayor dependencia se relaciona con una peor percepción de la calidad de vida. No se identificó asociación entre la capacidad funcional y los síntomas depresivos. Conclusión: Las limitaciones en las actividades instrumentales se asocian con una menor calidad de vida de los adultos mayores en zonas rurales. La falta de relación con los síntomas depresivos sugiere la influencia de aspectos contextuales. Los hallazgos refuerzan la importancia de las políticas públicas que promuevan la autonomía funcional y el apoyo social en la vejez en zonas rurales.

Palabras-clave: Actividades Diarias; Rendimiento Físico Funcional; Personas de 80 años en adelante; Depresión; Calidad de Vida.

Introdução

O envelhecimento populacional é uma realidade crescente em todo o mundo, especialmente no Brasil, onde a proporção de idosos vem aumentando de forma acelerada nas últimas décadas. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) [1], aproximadamente 10,9% da população brasileira tem 65 anos ou mais, representando o maior percentual já registrado em censos demográficos. Destaca-se ainda o crescimento expressivo da população de centenários, que aumentou 67% em comparação ao levantamento de 2010, passando de 22.676 para 37.814 pessoas com 100 anos ou mais.

O processo de envelhecimento é acompanhado por alterações anatômicas e fisiológicas que afetam negativamente a massa muscular, a mobilidade articular e aumentam a suscetibilidade a patologias reumatológicas [2]. Além desses fatores físicos, com o avançar da idade, observa-se um aumento na dependência funcional, declínio da capacidade física, improdutividade e redução da qualidade de vida [3]. Tais mudanças são ainda mais pronunciadas entre os idosos longevos aqueles com 80 anos ou mais — que apresentam maior prevalência de doenças crônicas, dificuldades nas atividades de vida diária e maior propensão ao isolamento social e sintomas depressivos [4].

Nesse contexto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) define o envelhecimento saudável como o processo de desenvolvimento e manutenção da capacidade funcional, compreendida como o conjunto de atributos que permite às pessoas satisfazerem suas necessidades básicas, se deslocarem, construírem relacionamentos e contribuírem para a sociedade. A preservação da capacidade funcional é, portanto, essencial para garantir autonomia e qualidade de vida aos idosos [3].

A qualidade de vida, por sua vez, é um conceito multidimensional que inclui aspectos físicos, psicológicos, sociais e ambientais. De acordo com a definição da OMS trata-se da percepção individual da posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores nos quais está inserido, em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. Dessa forma, não se restringe apenas à ausência de doenças ou à capacidade funcional preservada, mas envolve também a satisfação pessoal e o bem-estar emocional [5].

Entre as doenças crônicas mais prevalentes no envelhecimento, a depressão se destaca, sendo considerada uma das principais causas de diminuição da qualidade de vida em idosos. Fatores como baixa condição socioeconômica, vivência de eventos estressores, limitação funcional e presença de doenças crônicas são reconhecidos como importantes preditores de sintomas depressivos na velhice [4]. A depressão, além de comprometer a saúde mental, influencia negativamente a capacidade funcional, agravando a perda de autonomia e exacerbando problemas físicos preexistentes [6].

Diante disso, torna-se imprescindível investigar a interação entre capacidade funcional, qualidade de vida e sintomas depressivos em idosos, especialmente naqueles residentes em áreas rurais e ribeirinhas, onde as condições de acesso a serviços de saúde e suporte social são mais limitadas. A identificação desses fatores é fundamental para embasar estratégias de intervenção e promoção da saúde voltada para esse segmento populacional. Portanto, este estudo tem como objetivo verificar se existe associação entre capacidade funcional, sintomas depressivos e qualidade de vida em idosos longevos residentes na zona rural e ribeirinha de Manaus, Amazonas.

Métodos

Caracterização dos estudos e participantes

O estudo, de base populacional, caracteriza-se como observacional, descritivo e de associação [7]. Com essa abordagem é possível evidenciar as características destes idosos longevos quanto a sua capacidade funcional, fazendo as relações desta variável com sintomas depressivos e qualidade de vida.

Os participantes são 92 idosos longevos com 80 anos ou mais, residentes na zona rural e ribeirinha de Manaus, Amazonas. Para localizar os longevos os pesquisadores tiveram acesso às informações não públicas, fornecidas pelo Distrito de Saúde Rural (DISA Rural), com a Anuência do Núcleo de Pesquisa, Extensão e Inovação em Saúde – NUPES, vinculado a Escola de Saúde Pública de Manaus – ESAP da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus – SEMSA.

Foram incluídos aqueles com documento comprobatório de idade de 80 anos ou mais, que residiam na zona rural de Manaus, AM, com capacidade de compreender e responder aos instrumentos da pesquisa (com ou sem auxílio de familiar ou cuidador, exceto nos blocos subjetivos).

Local do estudo

O estudo foi realizado na zona rural de Manaus, região do estado do Amazonas, Brasil, que ocupa cerca de 93% do território municipal, mas abriga uma população dispersa com acesso limitado a serviços essenciais de saúde, transporte, educação e lazer. As comunidades da zona rural incluem áreas ribeirinhas, indígenas e agrícolas, frequentemente isoladas, o que afeta diretamente a qualidade de vida e as condições de saúde dessa população. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) da zona rural de Manaus é de 0,576, inferior ao da zona urbana (0,737), refletindo desigualdades no acesso a políticas públicas e serviços de proteção social [8].

Instrumentos

Para avaliar a capacidade funcional, foram utilizados dois instrumentos: a Escala de Atividades Básicas da Vida Diária (ABVD) – Índice de Katz, adaptada por Lino et al. [9], que avalia a autonomia em tarefas como tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro, deambular, alimentar-se e continência, com pontuação de 0 (dependência total) a 6 (independência plena); e a Escala de Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD) – Escala de Lawton & Brody, adaptada por Frutuoso et al. [10], que mensura tarefas mais complexas como usar telefone, realizar compras, preparar refeições e administrar finanças, com pontuação total variando de 8 a 27.

Os sintomas depressivos foram avaliados com a Escala de Depressão Geriátrica (EDG-15), versão reduzida e validada por Almeida e Almeida [11] e Paradela e colaboradores [12]. A escala contém 15 perguntas com resposta sim/não, e um escore ≥5 indica a presença de sintomas depressivos.

A qualidade de vida foi avaliada por meio do EUROHIS-QOL 8-item index, versão reduzida do WHOQOL-BREF, traduzida e validada para o contexto brasileiro por Romero et al. [13]. Este instrumento avalia oito domínios subjetivos da qualidade de vida, com respostas registradas em uma escala Likert de 1 a 5, sendo escores mais elevados indicativos de melhor percepção da qualidade de vida.

Aspectos éticos e procedimentos de coleta de dados

A pesquisa seguiu os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), sob o parecer consubstanciado registrado no CAAE nº 60858522.0.0000.5020. Todos os participantes ou seus representantes legais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A coleta de dados ocorreu de forma presencial nas residências dos idosos, com suporte das Equipes de Saúde das Unidades Básicas de Saúde Rural (UBSR), especialmente dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), os quais acompanharam os pesquisadores nas primeiras visitas aos longevos. As entrevistas tiveram duração média de 40 a 50 minutos, e foram realizadas, no mínimo, duas visitas ao mesmo longevo, com intervalo de uma semana.

Para a análise dos dados, utilizou-se o Software R (R Development Core Team, 2022), versão 4.3.2. A estatística descritiva foi realizada por meio de frequências absolutas e relativas, médias, desvios padrão, medianas e intervalos interquartis. Para a análise inferencial, foram aplicadas regressões lineares simples e múltiplas para avaliar as associações entre os escores de qualidade de vida e as variáveis independentes. O teste de significância adotado foi p<0,05, com intervalo de confiança de 95% (IC95%). Além disso, o R² ajustado e o Akaike Information Criterion (AIC) foram utilizados para avaliar a qualidade dos modelos ajustados.

Resultados

O estudo alcançou seus objetivos ao caracterizar o perfil sociodemográfico e a capacidade funcional dos longevos residentes na Zona Rural de Manaus, AM, com foco em sintomas depressivos e qualidade de vida.

A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas dos 91 participantes, com média de idade de 85,6 anos (±4,8). A maioria dos participantes era do sexo masculino (n=49/ 53,8%), e a maioria se autodeclarou parda (n=65/ 71,4%). O estado civil mostrou uma distribuição de 44% viúvos (n=40), 43% casados (n=39) e 13% solteiros ou divorciados (n=12). A média da renda familiar foi de R$2.779,00, com diferença significativa entre homens (R$4.163,60) e mulheres (R$2.080,00). Esses dados são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1 – Características sociodemográficas dos longevos da Zona Rural de Manaus, AM (N=91)

Mulheres

Homens

Total

f (%)

42 (46,2%)

49 (53,8%)

91 (100%)

Idade

Média (DP)

85,2 (±5,3)

84,1 (±4,3)

85,6 (±4,8)

Máx.

104

104

104

Cor da pele/etnia

Parda (%)

26 (28,6%)

39 (42,9%)

65 (71,4%)

indígena (%)

6 (6,6%)

4 (4,4%)

10 (11%)

Branca (%)

6 (6,6%)

4 (4,4%)

10 (11%)

Preta (%)

4 (6,6%)

2 (2,2%)

6 (6,6%)

Estado civil

Solteiro/Divorciado (%)

2 (2%)

10 (11%)

12 (13%)

Casado (%)

10 (11%)

29 (32%)

39 (43%)

Viúva/Viúvo (%)

30 (33%)

10 (11%)

40 (44%)

Renda Familiar

Média

2080 (±1094,6)

4163,6 (±3325,8)

2779 (±1926)

Mín. - Máx.

1300 - 11000

1200 - 11400

1200 - 11000

Fonte: Elaborada pelos autores (2025)

Em relação à capacidade funcional, a maioria dos participantes apresentou independência nas Atividades Básicas da Vida Diária (ABVD), conforme Gráfico 1. As mulheres mostraram maior dependência nas ABVD, especialmente em atividades como se vestir e transferência. Quanto às Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD), também se observou maior dependência entre as mulheres, especialmente em tarefas como gerenciar dinheiro e fazer compras, conforme o Gráfico 2.

Fonte: Elaborado pelos autores (2025)

Gráfico 1 – Independência ou Dependência em ABVD (N=91)

Fonte: Elaborado pelos autores (2025)

Gráfico 2 – Independência ou Dependência em AIVD (N=91)

Quanto aos sintomas depressivos, 70,32% dos participantes não apresentaram sinais de depressão, 25,27% apresentaram depressão leve e 4,39% apresentaram sintomas de depressão mais severa. A análise de regressão linear, apresentada na Tabela 2, indicou que a capacidade funcional não teve associação com sintomas depressivos, mas encontrou uma relação positiva entre AIVD e qualidade de vida, sugerindo que a dependência nas AIVD afeta negativamente a qualidade de vida.

Tabela 2 - Associação da capacidade funcional com sintomas depressivos e qualidade de vida de pessoas idosas longevas (N=91)

Variáveis

Sintomas depressivos

Qualidade de vida

Coeficiente (IC95%)

Erro Padrão

P-valor

Coeficiente (IC95%)

Erro Padrão

P-valor

Bruta

ABVD

-51,71 (-605,57; 502,15)

278,70

0,853

-1,63 (-3,40; 0,13)

0,89

0,069

AIVD

-10,95 (-74,90; 53,01)

32,18

0,735

0,40 (0,08; 0,72)

0,16

0,014

Ajustado

Intercepto

395,83 (-802,53; 1594,18)

602,91

0,513

26,29 (20,34; 32,24)

2,99

<0,001

ABVD

-115,74 (-735,24; 503,77)

311,68

0,711

-0,81 (-2,76; 1,14)

0,98

0,413

AIVD

-16,82 (-88,39; 54,75)

36,01

0,642

0,33 (-0,02; 0,69)

0,18

0,065

R2 ajustado

<0,01

-

-

0,05

-

-

AIC

1514,983

-

-

571,0106

-

-

Fonte: Elaborada pelos autores (2025)

Discussão

Os resultados deste estudo indicam um perfil distinto da população idosa longeva da Zona Rural de Manaus, quando comparado a estudos de áreas urbanas, principalmente em relação ao sexo e ao estado civil. Apesar de a expectativa de vida das mulheres brasileiras superar a dos homens, 80,5 e 73,6 anos, respectivamente [8], a predominância de homens, neste estudo, aponta para possíveis características específicas da zona rural, como a prevalência de homens longevos neste contexto. Essa presença aparece ativa na agricultura e pecuária, o que pode favorecer um perfil mais autônomo e independente da maioria dos participantes.

A literatura confirma que a perda do cônjuge, comum na população idosa, impacta diretamente na saúde e na qualidade de vida [14], o que também é observado entre os longevos deste estudo. Quanto à cor da pele/etnia, a maior parte dos participantes se autodeclarou parda, em consonância com dados do IBGE para a população brasileira em geral. A presença de indígenas, apesar de em número reduzido, reflete a diversidade cultural presente na nas comunidades rurais e ribeirinhas.

A análise da renda familiar revela uma desigualdade de gênero, com homens apresentando uma média de renda significativamente superior à das mulheres, o que evidencia que a renda familiar média dos homens é duas vezes superior à das mulheres. Esse achado é consistente com as desigualdades socioeconômicas no Brasil, que associam a baixa renda a riscos para a saúde e qualidade de vida dos idosos [15]. Essas questões contribuem para acentuar as desigualdades socioeconômicas entre áreas urbanas e rurais, impactando diretamente na qualidade de vida e no desenvolvimento dessas comunidades refletindo diretamente no Índice de Desenvolvimento Humano.

A capacidade funcional, desfecho deste estudo, apresenta resultado interessante em relação a independência para as ABVD e AIVD, em que os homens são mais independentes para realizar atividades básicas e instrumentais no cotidiano. Esse resultado diverge de outros estudos, como o de Frutuozo e colaboradores [16], que envolveu 498 idosos da zona urbana, usuários da Rede Básica de Atenção à Saúde, e mostra que as mulheres são mais independentes que os homens para todas as atividades. Em relação a essa divergência, observada ao comparar a independência entre homens e mulheres, pode-se observar que são contextos diferentes, como zona rural e urbana e diferença na faixa etária dos participantes em cada estudo. Entretanto o alerta para a preservação da capacidade funcional serve para todos os idosos, já que existe uma associação entre prevalência de quedas e a dependência para atividades básicas e instrumentais da vida diária [16].

A relação entre a capacidade funcional e a qualidade de vida foi evidenciada na análise de AIVD, que teve uma associação positiva com a qualidade de vida, indo ao encontro de estudos que indicam que a dependência nas AIVD reduz a qualidade de vida [17]. Além disso, a presença de sintomas depressivos foi mais evidente entre os idosos dependentes, sugerindo que a perda de autonomia contribui para um pior estado psicológico [18].

A análise de regressão linear não encontrou associação significativa entre capacidade funcional e sintomas depressivos, o que pode ser explicado pela complexidade da interação entre fatores sociodemográficos e capacidade funcional ou ainda, pela baixa prevalência de pessoas com sintomas depressivos. Existem alguns estudos que reforçam a importância do apoio social e da participação ativa na sociedade para melhorar a qualidade de vida e a saúde mental de idosos, especialmente em áreas rurais [3, 17].

Considerando que poucos longevos apresentaram sintomas de depressão mais severa e a maioria dos participantes tem sua capacidade funcional preservada, acredita-se na necessidade da manutenção da independência para as atividades básicas e instrumentais do cotidiano, o que é crucial para a qualidade de vida dos idosos longevos da Zona Rural de Manaus. Outro aspecto que este estudo aponta é o fato de que estratégias de suporte social e familiar podem ajudar a mitigar os impactos negativos da dependência e dos sintomas depressivos.

Os resultados desta pesquisa são relevantes, no aspecto científico, ao promover informações referentes a essa população, trazer conscientização, melhorar a prestação de cuidados, desenvolver políticas de saúde mais eficazes e criar sociedades mais inclusivas e resilientes ao envelhecimento populacional. O trabalho ainda contribui com a formação de uma rede de apoio que envolve equipes da Atenção Primária à Saúde que trabalham com o cuidado ao idoso da zona rural.

Acerca das limitações presentes neste estudo, ressalta-se que o tamanho da amostra pode não ser totalmente representativo do universo geral de idosos longevos e os resultados podem ser específicos para o contexto rural dos municípios. Por fim, sugere-se ampliar pesquisas com idosos longevos, especialmente em áreas rurais, para conhecer como essas pessoas produzem sua saúde e como estabelecer redes de suporte para o cuidado de quem envelhece.

Conclusão

Este estudo descreveu o perfil das pessoas idosas longevas da zona rural de Manaus, AM quanto a sua capacidade funcional, sintomas depressivos e qualidade de vida. Constatou-se que houve associação positiva entre as atividades instrumentais da vida diária e qualidade de vida, ou seja, quanto maior a dificuldade para as tarefas básicas e instrumentais, pior a qualidade de vida.

Agradecimentos

Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) pelo apoio institucional.

Conflitos de Interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesses de qualquer espécie.

Fontes de financiamento

Financiamento próprio.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Sousa LKL, Streit IA. Coleta de dados: Streit IA, Figueiredo JP, Pacheco MT, Araujo JSA. Análise e interpretação dos dados: Sousa LKL, Streit IA, Figueiredo JP, Silva GS, Nascimento MTA, Pacheco MT, Araujo JSA, Dugarte CGR. Redação do manuscrito: Sousa LKL, Streit IA. Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Sousa LKL, Figueiredo JP, Silva GS, Nascimento MTA, Pacheco MT, Araujo JSA, Dugarte CGR, Streit IA.

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