O papel da enfermagem nos 35 anos do Sistema Único de Saúde (SUS)

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DOI:

https://doi.org/10.62827/eb.v24i5.4100

Resumo

Ao celebrar 35 anos de existência, o Sistema Único de Saúde (SUS) reafirma-se como um dos maiores marcos civilizatórios da história do Brasil. Nascido no contexto dos ideais da Reforma Sanitária, o SUS concretizou o princípio de que a saúde é direito de todos e dever do Estado — um avanço inédito em um país historicamente marcado pela exclusão social e pelas desigualdades regionais.

Nesse percurso, a enfermagem tem sido mais do que uma categoria profissional: é a força vital que sustenta o cotidiano do sistema. Estima-se que cerca de 60% da força de trabalho da saúde brasileira seja composta por profissionais de enfermagem — enfermeiros(as), técnicos(as) e auxiliares — presentes em todos os níveis de atenção, da prevenção primária às unidades de alta complexidade [1].

Mais do que uma presença quantitativa, a enfermagem representa uma dimensão ética, política e pedagógica do SUS. Sua atuação traduz, no encontro direto com a população, os princípios de universalidade, integralidade e equidade, tornando o cuidado um ato político. Assim, compreender o papel da enfermagem nos 35 anos do SUS é compreender a própria construção da saúde pública brasileira como projeto coletivo e emancipador.

A enfermagem foi parte ativa do movimento sanitarista, que emergiu na década de 1970 articulando intelectuais, profissionais e movimentos sociais na luta por uma saúde democrática. Durante a 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986), enfermeiros e pesquisadores participaram da formulação dos princípios que dariam origem ao SUS, defendendo um modelo de atenção centrado na promoção da vida, na justiça social e na equidade [2].

Nas décadas de 1990 e 2000, a categoria consolidou seu protagonismo na expansão da Atenção Primária à Saúde e na implantação da Estratégia Saúde da Família, que se tornou a principal via de acesso da população ao sistema [3]. O enfermeiro assumiu funções de coordenação de equipe, supervisão de agentes comunitários, educação em saúde e gestão local, tornando-se mediador entre o Estado e a comunidade [3].

Essas transformações expressaram uma mudança paradigmática importante: o enfermeiro deixou de ser apenas executor de ordens médicas e passou a ser sujeito político da prática em saúde, com autonomia técnica e responsabilidade social. O cuidado, nesse contexto, passou a ser também um ato de resistência e construção de cidadania.

O cuidado constitui o eixo que dá sentido à enfermagem e, por extensão, ao próprio SUS. O conceito de cuidado ampliado, discutido por Ayres [4], propõe uma prática que integra ciência, ética e sensibilidade. O enfermeiro é mediador entre a técnica e a vida, entre o saber biomédico e as necessidades humanas concretas.

A Política Nacional de Humanização, implementada em 2003, reforçou esse papel ao reconhecer o cuidado como relação entre sujeitos e não apenas como prestação de serviços. A enfermagem se tornou a principal tradutora desse princípio na prática cotidiana — é quem acolhe, escuta e acompanha o sofrimento físico, emocional e social dos usuários [5].

Durante a pandemia de Covid-19, essa dimensão se tornou ainda mais evidente. Enfermeiros estiveram na linha de frente do enfrentamento, responsáveis pela triagem, vacinação, manejo clínico e apoio emocional a pacientes e famílias. No entanto, também foram as maiores vítimas do esgotamento físico e psíquico, da precarização e da invisibilidade social [6].

A crise sanitária evidenciou um paradoxo: o país depende profundamente da enfermagem, mas ainda não reconhece plenamente...

Biografia do Autor

  • Luís Paulo Souza e Souza, UFAM

    Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus, AM, Brasil

  • Túlio Almeida Dias, UAM

    Membro do Observatório de Saúde Coletiva, Saúde Ambiental e Territórios Sanitários - OBSCAT/CNPq., Enfermeiro Graduado pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM), São Paulo, SP, Brasil 

  • Carla Silvana de Oliveira e Silva, UNIMONTES

    Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Montes Claros, MG, Brasil  

Referências

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Publicado

2025-12-03

Como Citar

O papel da enfermagem nos 35 anos do Sistema Único de Saúde (SUS). (2025). Enfermagem Brasil, 24(5), 2766-2769. https://doi.org/10.62827/eb.v24i5.4100