REVISÃO
Estratégias de segurança do paciente na transição de cuidados: Revisão integrativa
Sabrina Martins Vilas Boas1, Rejane Santos Barreto1, Endric Passos Matos2, Simone Santos Souza1, Sônia Maria Isabel Lopes Ferreira1, Nayara Mary Andrade Teles Monteiro1, Nathalie Campana de Souza2, Rafaely de Cassia Nogueira Sanches2
1Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus, BA, Brasil
2Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, PR, Brasil
Recebido em: 22 de Agosto de 2025; Aceito em: 26 de Agosto de 2025.
Correspondência: Endric Passos Matos, endric-matos@hotmail.com
Como citar
Boas SMV, Barreto RS, Matos EP, Souza SS, Ferreira SMIL, Monteiro NMAT, Souza NC, Sanches RCN. Estratégias de segurança do paciente na transição de cuidados: revisão integrativa. Enferm Bras. 2025;24(4):2736-2748. doi:10.62827/eb.v24i4.4084
Introdução: A segurança do paciente é fundamental para a qualidade assistencial, especialmente durante as transições de cuidados, ponto crítico na saúde. Nesses momentos, há a transferência de responsabilidades e informações entre níveis de atendimento, com o objetivo de garantir a continuidade do cuidado e segurança dos pacientes. Objetivo: Analisar a produção científica sobre estratégias de segurança do paciente aplicadas às transições de cuidado. Métodos: Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, com pesquisa em diversas bases de dados, abrangendo artigos publicados entre 2014 e 2024. Foram incluídos apenas artigos em texto completo, nos idiomas português, inglês e espanhol. A análise envolveu a seleção dos artigos conforme critérios de relevância, seguidos de leitura detalhada e síntese dos resultados. Resultados: Foram analisados oito artigos após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, evidenciando que as estratégias de segurança do paciente nas transições de cuidados se concentram em duas abordagens principais: comunicação estruturada e gestão de riscos. A comunicação estruturada, por meio de metodologias específicas, favorece a padronização das informações e a tomada de decisões seguras. A gestão de riscos é realizada através de checklists e protocolos, que ajudam no planejamento da alta, reconciliação medicamentosa, engajamento do paciente e de sua rede de apoio. Conclusão: Constatou-se que o uso de ferramentas estruturadas fortalece a segurança, reduz riscos e readmissões, além de otimizar recursos e garantir continuidade do cuidado. No entanto, a falta de estudos sobre a transição entre níveis de atenção compromete a aplicabilidade dos resultados e formulação de políticas públicas mais abrangentes.
Palavras-chave: Cuidado Transicional; Segurança do Paciente; Estratégias de Saúde; Enfermagem.
Patient safety strategies in care transitions: Integrative review
Introduction: Patient safety is essential for healthcare quality, especially during care transitions, which are a critical point in healthcare. During these times, responsibilities and information are transferred between different levels of care, with the goal of ensuring continuity of care and patient safety. Objective: Analyze the scientific production on patient safety strategies applied to care transitions. Methods: This is an integrative literature review, with searches in several databases, covering articles published between 2014 and 2024. Only full-text articles in Portuguese, English, and Spanish were included. The analysis involved the selection of articles based on relevance criteria, followed by detailed reading and synthesis of the results. Results: Eight articles were analyzed after applying the inclusion and exclusion criteria, showing that patient safety strategies in care transitions focus on two main approaches. Structured communication, through specific methodologies, promotes the standardization of information and safe decision-making. Risk management is carried out through checklists and protocols, which assist in discharge planning, medication reconciliation, and the engagement of the patient and their support network. Conclusion: It was found that the use of structured tools strengthens safety, reduces risks and readmissions, in addition to optimizing resources and ensuring continuity of care. However, the lack of studies on the transition between levels of care compromises the applicability of the results and the formulation of more comprehensive public policies.
Keywords: Transitional Care; Patient Safety; Health Strategies; Nursing.
Estrategias de seguridad del paciente en la transición de cuidados: Revisión integrativa
Introducción: La seguridad del paciente es fundamental para la calidad asistencial, especialmente durante las transiciones de cuidados, um punto crítico en la salud. En esos momentos, se transfiere la responsabilidad y la información entre diferentes niveles de atención, con el objetivo de garantizar la continuidad del cuidado y la seguridad de los pacientes. Objetivo: Analizar la producción científica sobre estrategias de seguridad del paciente aplicadas a las transiciones de cuidados. Métodos: Se trata de una revisión integrativa de la literatura, con búsqueda en diversas bases de datos, abarcando artículos publicados entre 2014 y 2024. Solo se incluyeron artículos en texto completo en portugués, inglés y español. El análisis involucró la selección de los artículos según criterios de relevancia, seguidos de lectura detallada y síntesis de los resultados. Resultados: Se analizaron ocho artículos tras la aplicación de los criterios de inclusión y exclusión, evidenciando que las estrategias de seguridad del paciente en las transiciones de cuidados se concentran en dos enfoques principales. La comunicación estructurada, mediante metodologías específicas, favorece la estandarización de la información y la toma de decisiones seguras. La gestión de riesgos se realiza mediante listas de verificación y protocolos, que ayudan en la planificación del alta, la conciliación de la medicación y el compromiso del paciente y de su red de apoyo. Conclusión: Se constató que el uso de herramientas estructuradas fortalece la seguridad, reduce riesgos y readmisiones, además de optimizar recursos y garantizar la continuidad del cuidado. Sin embargo, la falta de estudios sobre la transición entre niveles de atención compromete la aplicabilidad de los resultados y la formulación de políticas públicas más amplias.
Palabras-clave: Cuidado de Transición; Seguridad del Paciente; Estrategias de Salud; Enfermería.
A segurança do paciente constitui um desafio global para a qualidade assistencial, demandando estratégias que minimizem danos, monitorem eventos adversos e identifiquem riscos potenciais. Esse processo envolve fatores humanos complexos, incluindo comunicação efetiva, desenvolvimento de cultura de segurança organizacional e comprometimento com práticas baseadas em evidências [1]. No contexto brasileiro, o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), instituído pela Portaria nº 259/2013, estabelece diretrizes para prevenção de riscos, incluindo especificamente o cuidado durante transições assistenciais [2].
A transição de cuidados representa qualquer momento caracterizado pela transferência de responsabilidade e informação entre diferentes níveis de assistência, serviços ou setores, visando assegurar a continuidade do cuidado e segurança do paciente [3]. O PNSP, em seu primeiro eixo, enfatiza práticas seguras, posicionando a transição do cuidado do ambiente hospitalar/institucional para o domicilio, como elemento central para prevenção de eventos adversos. O terceiro eixo destaca a importância da inserção do tema na formação profissional, fomentando a cultura de segurança desde o ensino para favorecer transições mais seguras [2].
Globalmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou, em 2021, o Plano de Ação Global para eliminar danos evitáveis até 2030, reconhecendo a transição do cuidado como estratégia essencial para a segurança assistencial [4]. O processo de transição pode ocorrer de forma intra-hospitalar, entre instituições ou do ambiente hospitalar para domicílio, clínicas de reabilitação, instituições de longa permanência ou atenção primária [5].
Este processo envolve intervenções complexas como educação em saúde, reconciliação medicamentosa, telemonitoramento e planejamento de alta, diferenciando-se da simples passagem de plantão por incluir planejamento, coordenação e orientação ao paciente [6]. Quando mal executadas, as transições de cuidado associam-se a aumento de 30% nas reinternações em até 30 dias após alta, sendo a reconciliação medicamentosa estratégia vital para reduzir
complicações [7-8].
Garantir segurança do paciente nas transições de cuidado contribui para continuidade e qualidade da assistência, reduzindo riscos de complicações, readmissões e incidentes, além de otimizar recursos e reduzir custos. Considerando a complexidade desse processo, faz-se necessário a adoção de medidas assertivas que o tornem mais seguro. Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo analisar a produção científica sobre estratégias de segurança do paciente aplicadas às transições de cuidado. Ao fomentar evidências sobre o tema, espera-se contribuir para práticas mais estruturadas e adaptadas às necessidades dos pacientes, promovendo mudanças significativas nos cenários de cuidado.
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, cujo objetivo principal é a compreensão de determinado fenômeno com base em estudos publicados anteriormente. Este tipo de pesquisa proporciona síntese do conhecimento através de abordagem metodológica abrangente, englobando um processo sistemático e rigoroso, com alcance à incorporação da aplicabilidade de resultados de estudos significativos na prática [9].
Para desenvolvimento desta revisão integrativa, foram delineadas sete etapas: 1) elaboração da questão de pesquisa; 2) identificação das bases de dados e descritores; 3) criação da estratégia de busca e escolha dos critérios de inclusão e exclusão; 4) aplicação da estratégia de busca nas bases selecionadas e identificação dos estudos a partir dos critérios de elegibilidade previamente definidos; 5) extração dos dados dos estudos e construção de quadros sinópticos; 6) avaliação dos estudos incluídos e síntese do resultado com apoio da Técnica de Análise de Conteúdo de Bardin [10]; 7) apresentação da revisão integrativa.
A questão de pesquisa foi: “Qual a produção científica sobre estratégias de segurança do paciente para a transição do cuidado?”. A busca foi realizada em março de 2024 em quatro bases eletrônicas: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Base de Dados em Enfermagem (BDENF), e Scientific Electronic Library Online (SciELO), escolhidas por indexar expressivo quantitativo de estudos no campo da saúde e enfermagem.
Na criação da estratégia de busca, foram utilizados descritores em português e inglês: “Cuidados de Transição/Transitional Care”, “Enfermagem/Nursing”, “Segurança do Paciente/Patient Safety”, com auxílio do operador booleano AND, selecionados a partir dos Descritores em Ciência da Saúde/Medical Subject Headings (DeCS/MeSH) da Biblioteca Regional de Medicina.
Os critérios de inclusão foram: artigos disponíveis em texto completo, nos idiomas inglês, português e espanhol, indexados nas bases consultadas, publicados entre janeiro de 2014 a janeiro de 2024. Foram excluídos artigos de revisão, teses, dissertações, reportagens, notícias e manuscritos que não atendiam ao objeto do estudo. Artigos duplicados foram considerados apenas uma vez.
Para seleção dos manuscritos, seguiram-se as recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses – PRISMA [11]. Após identificados os registros nas bases de dados e retiradas as duplicações, foram lidos títulos e resumos para rastrear estudos pertinentes. Em seguida, foi realizada leitura na íntegra do material considerado elegível, com posterior inclusão dos estudos para síntese analítica.
A análise de dados foi realizada de forma descritiva, exploratória e inferencial, enfatizando as estratégias de segurança do paciente para transições de cuidados mais efetivas. Foram elaborados quadros sinópticos para caracterização dos artigos incluídos e apresentação da síntese de resultados e eixos temáticos. Para aprofundamento no conteúdo dos artigos selecionados, utilizou-se a técnica de Análise de Conteúdo de Bardin, englobando pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados e interpretação [10,12].
Na busca inicial foram encontradas 48 publicações, sendo 23 na LILACS, 12 na MEDLINE, seis na BDENF e sete na SciELO. Foram excluídos 15 artigos por duplicação. Na etapa de seleção, após leitura de título e resumo e aplicação dos critérios de inclusão, foram excluídos: um artigo por não estar disponível em texto completo, dois artigos por se tratarem de revisões integrativas, dois por se tratarem de dissertações e 10 artigos por não corresponderem ao recorte temático proposto.
Na etapa de elegibilidade, foi realizada leitura na íntegra de 18 artigos, sendo excluídos 10 por não responderem ao objeto de estudo. Deste modo, oito publicações compuseram esta revisão integrativa. O fluxograma do processo de seleção dos estudos encontra-se apresentado na Figura 1, e a distribuição das publicações conforme identificação, autores/ano, base de dados/periódico, tipo de estudo/país, podem ser verificadas no Quadro 1.
Figura 1 - Fluxograma do processo de seleção dos estudos para a revisão, adaptado do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA). Ilhéus, Bahia, Brasil, 2025
Fonte: Elaborado pelos autores, bases de dados (LILACS, MEDLINE, BDENF e SciELO).
Quadro 1 – Publicações distribuídas conforme identificação/título, autores/ano, base de dados/periódico, tipo de estudo/país. Ilhéus, Bahia, Brasil, 2025
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Identificação/ Título |
Autores/ Ano |
Base de dados/ Periódico |
Tipo de estudo/País |
Objetivos |
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A1. Construção de instrumento de avaliação da transição segura do paciente na alta hospitalar |
Acosta; Lima; Marques Zucatti; Silveira; Oelke (2022) |
LILACS Revista Gaúcha de Enfermagem |
Estudo Metodológico / Brasil |
Construir e validar o conteúdo de um instrumento de avaliação da qualidade da transição do cuidado e da segurança do paciente na alta hospitalar na perspectiva de enfermeiros. |
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A2. Comunicação na transição de cuidados de enfermagem em um serviço de emergência de Portugal |
Castro; Marque; Vaz (2022) |
BDENF Cogitare Enfermagem |
Estudo observacional descritivo transversal, quantitativo/ Portugal |
Conhecer a opinião dos enfermeiros sobre a transição de cuidados na mudança de turno no serviço de emergência e perceber os seus conhecimentos acerca da temática da segurança do paciente. |
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A3. Elaboração e validação de instrumento para transição do cuidado do paciente de emergência |
Nascimento; Nunes; Lanzoni; Cechin el-Peiter; Provensi; Wachholz (2022) |
LILACS Revista Enfermagem em Foco |
Estudo de validação metodológica, quantitativa e descritiva/ Brasil |
Construir e validar um instrumento checklist de comunicação segura para a transição do cuidado de paciente atendido pelo serviço extra-hospitalar na unidade de emergência hospitalar. |
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A4. Boas Práticas no Cuidado Transicional: continuidade da assistência ao paciente submetido ao transplante de fígado |
Wachholz; Knihs; Sens; Paim; Magalhães; Roza (2021) |
LILACS Revista Brasileira de Enfermagem |
Pesquisa Metodológica/ Brasil |
Elaborar um guia de recomendações de cuidados para boas práticas na transição do cuidado de pacientes adultos submetidos ao transplante hepático. |
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A5. Emprego da ferramenta SBAR na transição do cuidado: Uma técnica para a comunicação efetiva |
Pena; Melleiro; Braga; Meres (2021) |
LILACS Revista de Enfermagem do Centro Oeste Ribeiro |
Relato de experiência/ Brasil |
Relatar a experiência da implantação da ferramenta Situation Background Assessment-Recommend ation para a padronização da comunicação entre profissionais durante a transição do cuidado. |
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A6. Construção do Instrumento para transição de cuidado em Unidades Pediátricas. |
Silva; Rocha; Echevarria-Guanilo; Bertoncello Souza; Schneider (2021) |
SciELO Texto e Contexto Enfermagem |
Relato de Experiência/ Brasil |
Construir e validar semanticamente um instrumento de comunicação segura para sistematizar a transição de cuidado em unidades clínicas e de emergência pediátricas. |
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A7. Transição do Cuidado de Pacientes submetidos ao transplante hepático durante a pandemia de COVID-19 |
Knihs; Sens; Silva; Wachholz; Paim; Magalhães (2020) |
SciELO Texto e Contexto Enfermagem |
Relato de Experiência/ Brasil |
Apresentar a experiência vivenciada na transição do cuidado para alta hospitalar de pacientes submetidos a transplante de fígado na pandemia de COVID-19. |
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A8. Eventos adversos decorrentes de falhas de comunicação: reflexões sobre um modelo para transição do cuidado |
Pena; Melleiro (2018) |
BDENF Revista de Enfermagem UFSM |
Estudo teórico-reflexivo/ Brasil |
Analisar a relação entre processo de comunicação e ocorrência de eventos adversos e refletir acerca de um modelo para as transições do cuidado em instituições hospitalares. |
Fonte: Elaborado pelos autores, bases de dados (LILACS, MEDLINE, BDENF e SciELO).
Das oito publicações selecionadas, quatro (50%) estavam indexadas na LILACS, duas (25%) na SciELO e duas (25%) na BDENF. O ano predominante foi 2022 com três (37,5%) publicações, seguido de 2021 com dois (25%) manuscritos. Houve predominância de estudos qualitativos com seis artigos (75%) comparados aos quantitativos dois (25%). As abordagens variaram entre três relato de experiência, um estudo observacional, um estudo teórico e três estudo metodológico (3).
Considerando a nacionalidade, sete estudos eram brasileiros e um de Portugal. Os cenários abordados foram predominantemente hospitalares, encontrando-se apenas um estudo com enfoque para transição entre atenção hospitalar e domiciliar, e nenhum estudo de interface entre atenção básica e hospitalar, sugerindo lacuna científica. Após análise dos oito artigos selecionados, foi possível o delineamento de dois eixos temáticos:
Quadro 2 – Publicações distribuídas conforme síntese dos resultados e eixo temático. Ilhéus, Bahia, Brasil, 2025
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Identificação |
Síntese dos resultados |
Eixo temático |
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A1, A2, A4, A5, A7, A8. |
A ferramenta SBAR é um sistema mnemônico utilizado a nível mundial para elencar informações importantes na transferência do paciente. A metodologia proposta pelo SBAR, favorece a comunicação na forma oral e escrita, com impacto na qualidade dos registros em prontuários. Orienta e auxilia os profissionais de saúde no processo de comunicação segura durante a transição do cuidado, e na tomada de decisões, padronizando informações relevantes a serem compartilhadas. |
O uso da ferramenta SBAR para comunicação assertiva nas transições de cuidado |
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A1, A3, A4, A6, A8. |
Construção de instrumentos de comunicação segura ou Checklist para sistematizar a transição de cuidado, como o TranSPAH. Elaboração e utilização de um guia de boas práticas no planejamento da alta hospitalar. Utilização de instrumentos de avaliação do processo de transição do cuidado na perspectiva do paciente. Engajamento do paciente e de sua rede de apoio para transições de cuidados mais efetivas. |
Estratégias de gestão de riscos para transição de cuidado |
Fonte: Elaborado pelos autores.
A análise dos estudos selecionados revela convergência em torno de duas estratégias centrais para promoção da segurança do paciente durante transições de cuidado: a implementação de ferramentas de comunicação estruturada e o desenvolvimento de sistemas de gestão de riscos. Esta convergência sugere maturidade conceitual na área, embora persistam lacunas na aplicação prática dessas estratégias.
Comunicação estruturada como fundamento da segurança
A predominância da ferramenta SBAR (Situation-Background-Assessment-Recommendation) em 75% dos estudos analisados não representa coincidência, mas reflete reconhecimento científico de sua eficácia na padronização comunicacional. A análise crítica dos achados demonstra que a efetividade do SBAR transcende sua função mnemônica, constituindo-se em framework cognitivo que estrutura o pensamento clínico durante momentos de alta complexidade decisória [13-15].
A adaptação brasileira para ISBAR, incorporando a identificação como primeiro elemento, evidencia maturidade na contextualização de ferramentas internacionais às realidades locais. Esta adaptação não representa apenas conformidade regulatória, mas demonstra compreensão de que a segurança do paciente demanda alinhamento entre práticas baseadas em evidências e especificidades culturais e normativas.
Entretanto, a análise revela limitação crítica: a maioria dos estudos aborda a implementação do SBAR de forma isolada, sem integração a sistemas mais amplos de gestão da qualidade. Esta abordagem fragmentada pode comprometer a sustentabilidade das melhorias, uma vez que a comunicação efetiva depende de cultura organizacional favorável e processos de trabalho alinhados.
Gestão de riscos: além da padronização procedimental
Os instrumentos de gestão de riscos identificados checklists, protocolos e guias de boas práticas representam evolução conceitual importante na abordagem da segurança do paciente. A análise dos estudos revela que estes instrumentos não funcionam apenas como ferramentas de verificação, mas como dispositivos de governança clínica que influenciam a tomada de decisão e alocação de recursos [16].
O instrumento TranSPAH, validado em um dos estudos encontrados, exemplifica esta evolução ao incorporar avaliação de estrutura, processo e resultado, alinhando-se ao modelo donabediano de qualidade em saúde [17]. Esta abordagem multidimensional sugere compreensão de que a segurança nas transições de cuidado resulta da interação complexa entre fatores organizacionais, processuais e individuais.
Contudo, a análise crítica dos estudos revela preocupação metodológica: a maioria dos instrumentos foi desenvolvida e validada em contextos específicos, limitando sua generalização. Esta limitação é particularmente relevante no sistema de saúde brasileiro, caracterizado por heterogeneidade organizacional e disparidades regionais significativas.
Lacunas científicas e implicações práticas
A análise dos cenários estudados revela concentração preocupante no ambiente hospitalar, com apenas um estudo abordando transições hospital-domicílio e nenhum investigando interfaces com atenção primária. Esta lacuna é crítica, considerando que a maioria das transições de cuidado ocorre entre diferentes níveis de atenção, especialmente em sistemas universais como o SUS [18].
A ausência de estudos sobre transições envolvendo atenção primária sugere desalinhamento entre produção científica e necessidades do sistema de saúde. Esta lacuna pode comprometer a implementação de políticas públicas baseadas em evidências, uma vez que as transições entre os níveis de atenção representam momentos de maior vulnerabilidade para eventos adversos.
Perspectivas tecnológicas e inovação
Os estudos analisados demonstram a incorporação incipiente de tecnologias digitais nas estratégias de transição de cuidado. Relatam uso de podcasts, videochamadas e vídeos instrutivos durante a pandemia, sugerindo potencial para inovação tecnológica [19].
Entretanto, a análise crítica revela que estas tecnologias foram utilizadas de forma reativa, sem planejamento estratégico ou avaliação sistemática de resultados. Esta limitação representa uma oportunidade perdida, considerando o potencial das tecnologias digitais para superar barreiras geográficas e organizacionais que frequentemente comprometem a continuidade do cuidado. A integração de sistemas de informação, telemedicina e inteligência artificial poderia potencializar significativamente a efetividade das estratégias identificadas [20].
Envolvimento do paciente: paradigma emergente
Embora mencionado em vários estudos, o envolvimento do paciente e família nas transições de cuidado permanece subdesenvolvido tanto conceitual quanto operacionalmente. A análise revela que a maioria das estratégias mantém perspectiva profissional-centrada, limitando o protagonismo do paciente a receptor passivo de informações [21].
Esta limitação contrasta com evidências internacionais que demonstram que o envolvimento ativo do paciente nas transições de cuidado reduz significativamente eventos adversos e melhora a satisfação com o cuidado [22]. A superação desta limitação demanda mudança paradigmática que reconheça o paciente como parceiro no cuidado, não apenas objeto de intervenções profissionais.
Descreveu-se sobre centralidade da comunicação estruturada, especialmente pelo uso do SBAR, e da gestão de riscos por meio de checklists, protocolos e instrumentos validados. Os achados demonstram que tais estratégias favorecem a padronização da comunicação, a tomada de decisão segura e a redução de falhas, além de apoiar o planejamento da alta, a reconciliação medicamentosa e o engajamento do paciente e sua rede de apoio. Contudo, identificou-se concentração de estudos no contexto hospitalar e escassez de investigações sobre transições entre outros níveis de atenção, particularmente envolvendo a atenção primária, o que limita a aplicabilidade dos resultados em sistemas universais de saúde. Também se destaca a necessidade de maior integração de tecnologias digitais e do protagonismo do paciente e família no processo, bem como de investimentos em capacitação profissional, cultura organizacional de segurança e sistemas de informação integrados. Reconhece-se como limitação a predominância de estudos brasileiros, reforçando a importância de ampliar o escopo geográfico e cultural das pesquisas para consolidar estratégias universais e adaptáveis às diferentes realidades.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.
Fontes de financiamento
Esta pesquisa não possui financiamento.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Barreto SB, Sanches RCN; Coleta de dados: Vilas Boas SM, Matos EP, Souza SS, Ferreira SMIL; Análise e interpretação dos dados: Monteiro NMAT, Souza NC; Redação do manuscrito: Vilas Boas SM, Matos EP, Dalmolin GL; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Sanches RCN, Barreto SB.
Referências
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