Enferm Bras. 2025;24(4):2547-2561
doi: 10.62827/eb.v24i4.4075

ARTIGO ORIGINAL

Percepção do acolhimento realizado por profissionais de saúde em pacientes com transtornos mentais no interior do Paraná – Brasil

Kemilly Gabrieli de Almeida1, Heffi Kerolain Schimidt1, Augusto Cesar Kappes Sapegienski1, Letícia Beatriz Rodrigues Ferreira1, Silviane Galvan Pereira1

1Faculdade UNIGUAÇU, São Miguel do Iguaçu, PR, Brasil

Recebido em: 2 de Junho de 2025; Aceito em: 19 de Agosto de 2025.

Correspondência: Kemilly Gabrieli de Almeida, kemillygabrielidealmeida@gmail.com

Como citar

Almeida KG, Schimidt HK, Sapegienski ACK, Ferreira LBR, Pereira SG. Percepção do acolhimento realizado por profissionais de saúde em pacientes com transtornos mentais no interior do Paraná – Brasil. Enferm Bras. 2025;24(4):2547-2561. doi:10.62827/eb.v24i4.4075

Resumo

Introdução: A saúde mental no Brasil, impulsionada pela Reforma Psiquiátrica e pela Lei 10.216/2001, tem avançado na promoção de um cuidado mais humanizado e inclusivo, com foco na desinstitucionalização e na garantia de direitos. A esquizofrenia, que afeta cerca de 75 mil brasileiros anualmente, exige início precoce de tratamento e um acolhimento qualificado. Objetivo: analisou-se como o acolhimento prestado pelos profissionais do CAPS I de Medianeira-PR influencia a adesão ao tratamento de pacientes com esquizofrenia. Métodos: Utilizando uma abordagem mista, com questionários e entrevistas. Resultados: A pesquisa revelou que 100% (6) dos profissionais reconhecem a importância de um atendimento humanizado, baseado em escuta ativa, empatia e envolvimento familiar. Entre os principais desafios apontados estão o tempo limitado de atendimento, resistência de pacientes e familiares e dificuldades de acesso geográfico ao serviço. Os resultados reforçam que a construção de vínculo terapêutico desde o primeiro contato é essencial para a continuidade do tratamento. Conclusão: A atuação multiprofissional integrada e a adoção de práticas empáticas são fundamentais para promover maior adesão e melhores desfechos terapêuticos, apesar das limitações estruturais ainda enfrentadas pelos serviços de saúde mental.

Palavras-chave: Reforma Psiquiátrica; Acolhimento; Saúde Mental.

Abstract

Perception of the reception provided by health professionals in patients with mental disorders in the interior of Paraná – Brazil

Introduction: Mental health in Brazil, driven by the Psychiatric Reform and Law 10.216/2001, has advanced in the promotion of a more humanized and inclusive care, with a focus on deinstitutionalization and the guarantee of rights. Schizophrenia, which affects about 75 thousand Brazilians annually, requires early start of treatment and qualified reception. Objective: to analyze how the reception provided by the professionals of the CAPS I of Medianeira-PR influences the adherence to treatment of patients with schizophrenia. Methods: Using a mixed approach, with questionnaires and interviews. Results: The survey revealed that 100% (6) of the professionals recognize the importance of humanized care, based on active listening, empathy and family involvement. Among the main challenges pointed out are the limited time of care, resistance from patients and family members, and difficulties in geographic access to the service. The results reinforce that the construction of a therapeutic bond from the first contact is essential for the continuity of treatment. Conclusion: Integrated multiprofessional action and the adoption of empathetic practices are essential to promote greater adherence and better therapeutic outcomes, despite the structural limitations still faced by mental health services.

Keywords: Psychiatric Reform; User Embracement; Mental Health.

Resumen

Percepción de la acogida brindada por los profesionales de la salud en pacientes con trastornos mentales en el interior de Paraná – Brasil

Introducción: La salud mental en Brasil, impulsada por la Reforma Psiquiátrica y la Ley 10.216/2001, ha avanzado en la promoción de una atención más humanizada e inclusiva, con enfoque en la desinstitucionalización y la garantía de derechos. La esquizofrenia, que afecta a unos 75 mil brasileños anualmente, requiere un inicio temprano del tratamiento y una recepción calificada. Objetivo: analizar cómo la recepción brindada por los profesionales del CAPS I de Medianeira-PR influye en la adhesión al tratamiento de los pacientes con esquizofrenia. Métodos: Con un enfoque mixto, con cuestionarios y entrevistas. Resultados: La encuesta reveló que el 100% (6) de los profesionales reconocen la importancia del cuidado humanizado, basado en la escucha activa, la empatía y la participación familiar. Entre los principales desafíos señalados se encuentran el limitado tiempo de atención, la resistencia de pacientes y familiares y las dificultades de acceso geográfico al servicio. Los resultados refuerzan que la construcción de un vínculo terapéutico desde el primer contacto es fundamental para la continuidad del tratamiento. Conclusión: La acción multiprofesional integrada y la adopción de prácticas empáticas son esenciales para promover una mayor adhesión y mejores resultados terapéuticos, a pesar de las limitaciones estructurales que aún enfrentan los servicios de salud mental.

Palabras-clave: Reforma Psiquiátrica; Acogimiento; Salud Mental.

Introdução

A história psiquiátrica do Brasil é marcada por transformações significativas ao longo dos séculos. Durante o século XIX, o tratamento de pessoas com comportamentos alterados era predominantemente caracterizado pelo isolamento em instituições que muitas vezes careciam de condições adequadas, refletindo uma abordagem rudimentar e desumanizada para o tratamento de transtornos mental. Michel Foucault observou que, embora o conceito de loucura e as instituições dedicadas ao seu tratamento tenham existido desde tempos antigos, foi apenas no século XVIII que surgiram as instituições psiquiátricas propriamente ditas [1].

No Brasil, a evolução na abordagem e tratamento de transtornos mentais foi relativamente tardia. Somente na década de 1980 começou o processo de desagregação dos hospícios e asilos, que, desde o período imperial, serviam como locais de “acolhimento” para pessoas com transtornos mentais, independentemente de idade, sexo ou gravidade do transtorno. O tratamento era homogêneo e frequentemente inadequado para as necessidades individuais dos pacientes [2].

O Hospital Colônia em Barbacena é um dos exemplos no Brasil de como eram os tratamentos dos pacientes com distúrbios mentais que com práticas desumanas, muitas das vezes, resultava na morte de milhares desses moradores. Muitas dessas condutas eram terapias de choque ou banho gelado nos seus próprios leitos [3].

Em 2001 sendo uma das pedras angulares da Reforma Psiquiátrica Brasileira, teve uma inovação básica no tratamento de transtornos mentais ao substituir o confinamento fechado em instituições por uma abordagem mais integradora e baseada na comunidade. Patrocinada pela Lei Federal 10.216/2001, essa reforma é projetada para fornecer inclusão social de pacientes e saúde humana com pleno respeito aos seus direitos. O Hospital Colônia em Barbacena incorpora as piores práticas das quais essas reformas buscam se afastar: práticas tão duras que resultaram na morte e na obliteração da alma de milhares de pacientes.

A desospitalização promove a integração comunitária e dá uma opção a portas fechadas, como viver com apoio psicossocial e sistemas de reabilitação. Embora gere avanços consideráveis, tem problemas como o fornecimento de infraestrutura adequada e vigilância contínua contra a prática de condições desumanas em algumas instalações. Para que a mesma seja bem-sucedida, a promoção dos direitos humanos mais a construção de uma rede de suporte acessível e eficaz é crítica [4].

Em 2002, a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) representou um avanço significativo, oferecendo tratamentos humanizados e gratuitos através do Sistema Único de Saúde (SUS) em todo o Brasil. Os CAPS são formados por equipes multidisciplinares, compostas por psiquiatras, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos, e são subdivididos em CAPS I, CAPS II e CAPS III, de acordo com o porte das cidades e a necessidade de atendimento [5].

Os CAPS desempenham um papel crucial na reabilitação e reintegração de pacientes com esquizofrenia, um transtorno psiquiátrico grave que geralmente se inicia na juventude e provoca déficits sociais e cognitivos significativos. A esquizofrenia é caracterizada por distorções no pensamento e percepção, incluindo delírios e alucinações, o que pode comprometer severamente a capacidade dos pacientes de manter relacionamentos, empregos e alcançar metas educacionais [6].

A esquizofrenia é uma das doenças mentais graves mais comuns e representa uma prioridade nas políticas de saúde devido ao impacto funcional e à mortalidade precoce associada. A prevalência global da esquizofrenia varia entre 2,1 e 7,0 por 1.000 habitantes, com maior incidência em áreas urbanas e entre classes sociais desfavorecidas. A doença costuma se manifestar no final da adolescência ou início da vida adulta, e os pacientes apresentam uma taxa de mortalidade significativamente mais alta, morrendo em média 15 a 20 anos mais cedo do que a população geral.

No Brasil, cerca de 75.000 novos casos de esquizofrenia são diagnosticados anualmente, e a maioria dos pacientes ainda é tratada em hospitais psiquiátricos. O tratamento da esquizofrenia requer uma abordagem contínua que inclui medicação e terapias psicossociais, com os CAPS oferecendo suporte essencial para a reintegração dos pacientes e o apoio às suas famílias [7].

Apesar dos avanços representados pela Reforma Psiquiátrica e pela criação dos CAPS, existem desafios na implementação efetiva da desospitalização. A infraestrutura inadequada e a vigilância insuficiente para evitar práticas desumanas em algumas instituições ainda são problemas persistentes. Este artigo tem como objetivo exemplificar como o acolhimento humanizado influencia no processo terapêutico e na adesão ao tratamento dos pacientes esquizofrênicos atendidos no CAPS I no município de Medianeira. A saúde mental, particularmente em relação a condições como a esquizofrenia, tem recebido crescente relevância nas últimas décadas, devido à sua complexidade e ao impacto profundo que exerce na qualidade de vida dos indivíduos afetados e de seus familiares. A esquizofrenia, um distúrbio psiquiátrico grave, requer um acompanhamento de várias disciplinas e um ambiente de apoio que favoreça não só o tratamento clínico, mas também o suporte emocional e social [8].

Analisou-se visão dos profissionais da equipe que compõe o CAPS I do município de medianeira como o acolhimento realizado por eles influencia diretamente na adesão do tratamento e quais suas principais dificuldades.

Métodos

A pesquisa foi realizada com uma abordagem mista, combinando métodos quantitativos e qualitativos. Essa estratégia permitiu uma análise abrangente do impacto do atendimento humanizado em pacientes com esquizofrenia no CAPS I de Medianeira – PR. Inicialmente, foi realizada uma coleta de dados quantitativos por meio de questionários estruturados, visando identificar padrões e preferências entre os pacientes. Posteriormente, para aprofundar a compreensão, foram conduzidas entrevistas semiestruturadas com um grupo selecionado de participantes, permitindo explorar as motivações, percepções e experiências pessoais em relação ao atendimento recebido. Essa integração dos métodos possibilitou um retrato mais completo do fenômeno em estudo [9].

A pesquisa foi realizada no CAPS I de Medianeira, Paraná, um serviço que oferece atendimento especializado em saúde mental. A população-alvo deste estudo foi composta pelos profissionais de saúde com formação acadêmica que trabalhavam no CAPS I psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, terapeutas ocupacionais e médico psiquiatra compromissados com a saúde mental e o tratamento de pessoas com transtornos mentais. O critério de seleção foi do tipo intencional, visando à participação de profissionais com diferentes experiências e especialidades. A amostra foi composta por profissionais de saúde de nível superior que atuavam diretamente no atendimento a pacientes com esquizofrenia no CAPS I e que concordaram em participar do estudo mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O critério de inclusão foi que todos os respondentes possuíssem ensino superior completo. A equipe do CAPS é composta por profissionais de diferentes áreas, formando um grupo multiprofissional que inclui médicos, enfermeiros, psicólogas, terapeutas ocupacionais e assistente social. Foram excluídos da pesquisa os profissionais que não atuavam diretamente no atendimento a pacientes de saúde mental, os que estavam em período de experiência ou que possuíam vínculo temporário com a instituição.

A coleta de dados foi realizada exclusivamente por meio de um formulário impresso, entregue aos profissionais da área da saúde que atuavam no CAPS I. O formulário continha perguntas abertas e fechadas, elaboradas com o objetivo de compreender como o acolhimento humanizado influenciava a prática diária dos profissionais e a adesão ao tratamento por parte dos pacientes. Optou-se por utilizar um formulário impresso devido ao número reduzido de participantes, visando evitar desconfortos ou constrangimentos. As entrevistas foram conduzidas de forma semiestruturada, com um roteiro que possibilitou explorar em profundidade as opiniões e vivências dos profissionais de saúde a respeito do acolhimento humanizado.

A análise dos dados qualitativos foi realizada por meio da técnica de análise de conteúdo, a qual possibilitou a identificação de categorias e temas emergentes, contribuindo para uma compreensão aprofundada das experiências relatadas pelos profissionais. Os dados quantitativos oriundos dos questionários foram organizados em tabelas e representados graficamente, utilizando técnicas de estatística descritiva para apresentar padrões, frequências e correlações entre as respostas, sem o uso de softwares estatísticos. A combinação dos métodos qualitativo e quantitativo enriqueceu a análise, permitindo uma visão mais ampla e detalhada do fenômeno investigado.

A pesquisa seguiu as diretrizes éticas estabelecidas pela Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta pesquisas com seres humanos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Dinâmica das Cataratas UDC, sob o parecer nº 7.387.923. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, com garantia de confidencialidade dos dados e liberdade para desistir da participação a qualquer momento, sem prejuízo ou penalidade.

Resultados

A partir dos dados obtidos por meio da combinação das abordagens quantitativa e qualitativa, foi possível alcançar uma compreensão mais ampla e aprofundada do tema proposto nesta pesquisa. Enquanto os dados quantitativos forneceram informações concretas sobre a prevalência de determinados comportamentos e opiniões, a análise qualitativa permitiu uma visão mais detalhada e contextualizada das experiências vivenciadas pelos participantes.

O questionário foi direcionado às profissionais do ensino superior que integram a equipe de atendimento do CAPSI no município de Medianeira, contando com a participação de seis respondentes. Todas as participantes eram do sexo feminino 100% (6), com idade variando entre 33 e 48 anos.

Todos os participantes da pesquisa se identificaram com o sexo feminino, conforme demonstrado no Gráfico 1. Em relação à idade, observou-se uma concentração entre 39 e 42 anos, como evidenciado no Gráfico 2.

Fontes: dados da pesquisa

Gráfico 1 – Participantes da pesquisa segundo o sexo

Fontes: dados da pesquisa

Gráfico 2 – Idade dos participantes da pesquisa

A pesquisa contou com a adesão e participação de uma enfermeira, duas psicólogas (representando 50% (3) da equipe de psicologia), um terapeuta ocupacional e um médico psiquiatra (Gráfico 3).

Fontes: dados da pesquisa

Gráfico 3 – Identificação dos profissionais

Além da identificação da profissão, o questionário também abordou o tempo de atuação dos profissionais no Centro de Atenção Psicossocial. Os dados revelaram que mais da metade dos participantes atua no local há mais de seis anos (Gráfico 4), o que evidencia a experiência acumulada da equipe ao longo do tempo.

Fontes: dados da pesquisa

Gráfico 4 – Tempo de atuação dos profissionais

Percepção sobre o acolhimento

Todos os participantes da pesquisa 100% (6) afirmaram reconhecer a importância do acolhimento humanizado no contexto do atendimento em saúde mental (Gráfico 5). Ao serem questionados sobre as estratégias empregadas em sua prática profissional para promover esse tipo de atendimento, os resultados indicaram que a totalidade dos respondentes 100% (6) relatou utilizar recursos como escuta ativa, empatia, apoio emocional, fornecimento de informações claras sobre o tratamento e o envolvimento da família no processo de cuidado. Além disso, um dos participantes destacou, de forma específica, a relevância do respeito como elemento fundamental na prática do atendimento humanizado (Gráfico 6).

Fontes: dados da pesquisa

Gráfico 5 – Acolhimento humanizado

Fontes: dados da pesquisa

Gráfico 6 – Estratégias de acolhimento

Experiências e desafios

A pesquisa também investigou se os profissionais de saúde já presenciaram situações em que a ausência de acolhimento humanizado comprometeu negativamente o tratamento de um paciente. Dos seis participantes, dois responderam afirmativamente, enquanto quatro relataram não ter vivenciado tais situações. Esses dados indicam que uma parcela da equipe já se deparou com experiências em que a falta de acolhimento humanizado impactou de forma negativa o processo terapêutico (Gráfico 7).

Fontes: dados da pesquisa

Gráfico 7 – Situações sem acolhimento humanizado

Para a efetivação de um acolhimento humanizado, é imprescindível que o bemestar do profissional esteja assegurado, garantindo assim uma escuta qualificada e empática. Considerando esse aspecto, os participantes da pesquisa foram questionados sobre os principais desafios enfrentados para oferecer um acolhimento eficaz. Dentre as dificuldades apontadas, destacaram-se o tempo limitado para atendimento e a resistência dos próprios pacientes, bem como da família, que constitui uma importante rede de apoio. Tais observações corroboram com Deslandes (2020), ao afirmar que, embora o acolhimento inicial no serviço de saúde seja essencial, a integração dos cuidados com a rede de apoio pode determinar o sucesso ou o fracasso das intervenções.

Ainda dentro da temática proposta pela pesquisa, os profissionais foram convidados a sugerir melhorias para as práticas de acolhimento e para os grupos terapêuticos no CAPS. Entre as sugestões destacam-se:

Quadro 1 – Depoimentos

Participantes

Depoimentos

Participante 1 “Qualificação de escuta, acolhimento em equipe, participação ativa dos usuários”

Participante 6 “Capacitação, ter um bom entendimento sobre a saúde mental, ser um bom ouvinte”

Fonte: Elaboração própria

Quanto aos desafios enfrentados pelos usuários do CAPS I para aderirem ao tratamento, os profissionais também relataram fatores diversos que comprometem essa adesão:

Quadro 2 – Depoimentos

Participantes

Depoimentos

Participante 3 “1º aspectos de distância da moradia, 2º lidar com os efeitos colaterais das medicações, 3º preconceito do próprio paciente em relação aos transtornos mentais, 4º entender que dependência química é uma doença, 5º bom suporte familiar (isso nem sempre é possível), muitas vezes a família também está adoecida”

Participante 2 “Custo para ir até as dependências; falta de apoio”

Participante 4 “No momento, o maior desafio observado é a situação da distância. Muitos não aderem devido a não conseguirem pagar transporte para participação em grupo e na psicoterapia (semanal, quinzenal e mensal)”

Fonte: Elaboração própria

Torna-se evidente que, no município, a distância entre as residências dos usuários e a unidade do CAPS representa um obstáculo significativo para o seguimento terapêutico. Muitos pacientes acabam abandonando o tratamento por não possuírem condições financeiras de se deslocar até o serviço. Uma sugestão levantada pelos participantes foi a aquisição de veículos para transporte dos usuários ou a realocação do CAPS para um local de mais fácil acesso.

Nesse sentido, a análise das narrativas que permeiam a saúde mental no contexto pós-Reforma Psiquiátrica aponta para a necessidade de um esforço conjunto, envolvendo tanto o poder público quanto a sociedade civil [12]. Acredita-se que a implementação de grupos de acolhimento, com suporte da equipe multiprofissional, promova maior conhecimento sobre o acompanhamento no serviço e ofereça aos profissionais informações mais amplas sobre os usuários, contribuindo de forma positiva para sua reabilitação e possibilitando novas perspectivas de vida [13].

Para finalizar o questionário, cujo foco era compreender a percepção dos profissionais sobre o atendimento prestado, foi solicitada a partilha de experiências pessoais relacionadas ao acolhimento humanizado. Duas respostas foram obtidas:

Quadro 3 – Depoimentos

Participantes

Depoimentos

Participante 5 “Acolhimento desde a recepção (já tivemos secretária psicofóbica, sem qualificação para o cargo)”

Participante 2 “Percebe que no acolhimento você já consegue a formação de vínculo com o paciente e seu engajamento no tratamento”

Fonte: Elaboração própria

Discussão

A presente pesquisa teve como objetivo analisar a percepção dos profissionais de saúde mental sobre a atuação da equipe multiprofissional no acolhimento humanizado no CAPS. O estudo se justifica pela necessidade de compreender como os profissionais vivenciam e interpretam as práticas assistenciais dentro de um modelo pautado pela Reforma Psiquiátrica, contribuindo para a consolidação de um cuidado centrado na integralidade, respeito e valorização do sujeito.

A relevância desta investigação está em evidenciar a importância do trabalho em equipe para a qualidade do atendimento prestado, além de oferecer subsídios para a qualificação das ações em saúde mental. Entre as potencialidades do estudo, destaca-se a escuta direta de quem atua na linha de frente do cuidado, o que permite uma análise realista e aplicada da rotina nos CAPS. Como limitação, ressalta-se o número reduzido de participantes, o que restringe a generalização dos resultados, embora permita uma análise aprofundada das percepções individuais.

A atuação integrada da equipe multiprofissional nos CAPS é fundamental para a consolidação da Reforma Psiquiátrica, pois possibilita a articulação de diferentes saberes e práticas, promovendo um cuidado mais abrangente e humanizado aos usuários [10]. A pesquisa realizada com profissionais de saúde evidenciou que o acolhimento humanizado desempenha um papel essencial na melhoria da adesão dos pacientes ao tratamento.

Tal prática favorece o estabelecimento de uma relação de confiança entre profissional e usuário, aumenta a satisfação com o atendimento recebido e contribui significativamente para melhores desfechos terapêuticos. Nesse contexto, destaca-se a importância da Política Nacional de Humanização (PNH), instituída no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), que estabelece diretrizes voltadas à promoção de práticas assistenciais pautadas no respeito, na escuta qualificada e na valorização da autonomia dos usuários [11].

A análise dessas respostas reforça a importância de uma equipe preparada desde a recepção até os profissionais de ensino superior, visto que o acolhimento começa no primeiro contato do usuário com o serviço. Essa percepção encontra respaldo na discussão contemporânea sobre o papel dos profissionais de saúde mental na construção de práticas de cuidado mais acolhedoras e integradas [14]. Com base nos dados coletados por meio do questionário aplicado no Centro de Atenção Psicossocial do município, observa-se que a atuação da equipe multiprofissional é indispensável e multifacetada. Os profissionais demonstram empenho constante na oferta de um atendimento humanizado aos usuários, reconhecendo a complexidade inerente a cada caso, considerando que cada ser humano é único e possui demandas específicas. No CAPS, as atribuições dos profissionais com formação superior abrangem desde o acolhimento inicial até a elaboração de planos terapêuticos individualizados, ações fundamentais para assegurar a qualidade da assistência prestada.

A presença do enfermeiro, por exemplo, é essencial no acolhimento de pacientes com transtornos mentais. Compete a este profissional realizar a coleta de dados para a sistematização da assistência de enfermagem, elaborar diagnósticos e oferecer uma escuta qualificada, preservando o vínculo e a comunicação com o paciente [15]. O vínculo estabelecido entre profissional e paciente representa um processo complexo, mas essencial, pois é por meio dele que o paciente deixa de ver o profissional apenas como alguém de jaleco e passa a enxergá-lo como um ponto de apoio e confiança. A análise das narrativas relacionadas à saúde mental pós-Reforma Psiquiátrica reitera a necessidade de um esforço coletivo entre Estado e sociedade para consolidar essas práticas de cuidado [16].

Apesar dos avanços promovidos pela Reforma Psiquiátrica e pela criação dos CAPS, ainda existem desafios a serem enfrentados, como a sobrecarga dos serviços, a carência de recursos e a necessidade constante de capacitação das equipes. No entanto, a dedicação dos profissionais e o compromisso com o cuidado humanizado mostram-se essenciais para a superação dessas dificuldades e para a consolidação de um modelo de atenção mais justo, inclusivo e centrado na dignidade dos usuários. O acolhimento humanizado, quando praticado com sensibilidade e compromisso ético, é um elemento transformador no campo da saúde mental, promovendo não apenas a adesão ao tratamento, mas também a valorização do sujeito em sua totalidade.

A integração da equipe do CAPS é, portanto, imprescindível para garantir um cuidado pautado na integralidade, equidade e universalidade, assegurando atendimento digno a todos os usuários, independentemente de classe social, raça, identidade de gênero ou religiosidade. Assim, o futuro da saúde mental no Brasil depende de um compromisso contínuo com o aprimoramento das políticas públicas e com a construção de uma sociedade mais inclusiva e acolhedora, capaz de reconhecer e valorizar a diversidade humana em toda a sua complexidade [17].

Dessa forma, este estudo contribui para o fortalecimento do debate sobre a humanização no cuidado em saúde mental e destaca a necessidade de investimentos permanentes na formação, valorização e estruturação das equipes multiprofissionais, que são agentes essenciais na efetivação das diretrizes propostas pela Reforma Psiquiátrica e pela Política Nacional de Humanização.

Conclusão

Este estudo permitiu compreender a importância do acolhimento humanizado na adesão ao tratamento de pacientes com esquizofrenia atendidos no CAPS I do município de Medianeira. A análise das percepções dos profissionais revelou que a maneira como o paciente é recebido e tratado influencia diretamente no seu engajamento com o processo terapêutico, fortalecendo vínculos, promovendo segurança e contribuindo para uma abordagem mais efetiva e integral do cuidado em saúde mental.

Verificou-se que os profissionais reconhecem o acolhimento como um pilar fundamental no tratamento, especialmente em transtornos psiquiátricos graves como a esquizofrenia, que demandam não apenas intervenções clínicas, mas também suporte emocional, social e relacional. Os resultados apontam para a relevância de práticas empáticas, escuta qualificada e atendimento individualizado como estratégias capazes de gerar maior adesão e melhores desfechos terapêuticos.

A pesquisa reforça a relevância da atuação integrada da equipe multiprofissional no CAPS, demonstrando que o acolhimento, quando realizado com sensibilidade e ética, pode transformar o percurso terapêutico dos usuários, contribuindo para a consolidação de um modelo de atenção centrado na dignidade e na valorização da pessoa. Além disso, evidencia a necessidade de investimentos contínuos na formação dos profissionais, bem como na estrutura dos serviços de saúde mental, a fim de superar os desafios ainda existentes, como a sobrecarga de trabalho e a escassez de recursos.

Como contribuição, este estudo oferece subsídios para a reflexão crítica sobre as práticas em saúde mental e incentiva a adoção de estratégias que fortaleçam o cuidado humanizado nos CAPS. Recomenda-se, para pesquisas futuras, a ampliação da amostra e a inclusão da perspectiva dos próprios usuários, de modo a enriquecer ainda mais a compreensão sobre a eficácia e os impactos do acolhimento na realidade dos serviços.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.

Fontes de financiamento

Esta pesquisa não possui financiamento.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Sapegienski ACK, Almeida KG, Schimidt HK, Ferreira LBR, Pereira SG; Coleta de dados: Sapegienski ACK, Almeida KG, Schimidt HK, Ferreira LBR, Pereira SG; Análise e interpretação dos dados: Sapegienski ACK, Almeida KG, Schimidt HK, Ferreira LBR, Pereira SG; Redação do manuscrito: Sapegienski ACK, Almeida KG, Schimidt HK, Ferreira LBR, Pereira SG; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Sapegienski ACK, Almeida KG, Schimidt HK, Ferreira LBR, Pereira SG.

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