Enferm Bras. 2025;24(4):2665-2678
doi: 10.62827/eb.v24i4.4078

REVISÃO

Parto domiciliar planejado: Os principais fatores que influenciam a segurança e a acessibilidade do Parto Domiciliar no Brasil: Uma revisão integrativa

Débora Carolinne Santos Feitosa Santana1, Maria Beatriz Cantuaria Melo1, Larissa Lages Ferrer de Oliveira1

1Centro Universitário CESMAC, Maceió, AL, Brasil

Recebido em: 5 de Junho de 2025; Aceito em: 23 de Junho de 2025.

Correspondência: Maria Beatriz Cantuaria Melo dos Santos, cantuariamariabeatriz@gmail.com

Como citar

Santana DCSF, Melo MBC, Oliveira LLF. Parto domiciliar planejado: Os principais fatores que influenciam a segurança e a acessibilidade do Parto Domiciliar no Brasil: Uma revisão integrativa. Enferm Bras. 2025;24(4):2665-2678. doi:10.62827/eb.v24i4.4078

Resumo

Introdução: O Parto Domiciliar Planejado (PDP) tem ganhado destaque como alternativa ao modelo hospitalar, especialmente entre mulheres que buscam maior autonomia e protagonismo no processo de parto. No Brasil, o acesso a essa modalidade ainda é limitado, principalmente pela ausência de políticas públicas no Sistema Único de Saúde (SUS), pela desigualdade socioeconômica e pela escassez de profissionais qualificados. Objetivo: Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, com o objetivo de analisar os principais fatores que influenciam a segurança e a acessibilidade do PDP no contexto brasileiro. Métodos: Foram analisados 13 artigos publicados entre 2014 e 2024, extraídos das bases Scientific Electronic Library Online - SciELO, Medical Literature Analysis and Retrievel System Online - MEDLINE, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde - LILACS e Base de Dados de Enfermagem - BDENF. Resultados: Os resultados indicam que o PDP, quando realizado por profissionais capacitados e com infraestrutura adequada, é seguro para gestantes de baixo risco, com desfechos obstétricos e neonatais positivos. No entanto, o acesso a essa modalidade é majoritariamente restrito a mulheres de classes sociais mais elevadas, o que revela desigualdades estruturais no sistema de saúde. A regulamentação recente da atuação do enfermeiro obstetra, por meio da Resolução COFEN nº 737/2024, representa um avanço, mas ainda insuficiente diante dos desafios existentes. Conclusão: O fortalecimento da formação profissional, a ampliação de políticas públicas específicas e a valorização do cuidado humanizado são fundamentais para democratizar o acesso ao PDP no Brasil.

Palavras-chave: Parto Domiciliar; Humanização do Parto; Enfermagem Obstétrica; Saúde da Mulher.

Abstract

Planned home birth: The main factors influencing the safety and accessibility of Home Birth in Brazil: An integrative review

Introduction: Planned Home Birth (PBD) has gained prominence as an alternative to the hospital model, especially among women seeking greater autonomy and protagonism in the childbirth process. In Brazil, access to this modality is still limited, mainly due to the lack of public policies in the Unified Health System (SUS), socioeconomic inequality, and the shortage of qualified professionals. Objective: This is an integrative literature review aimed at analyzing the main factors influencing the safety and accessibility of PBD in the Brazilian context. Methods: Thirteen articles published between 2014 and 2024 were analyzed, extracted from the Scientific Electronic Library Online (SciELO), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Latin American and Caribbean Literature in Health Sciences (LILACS), and the Nursing Database (BDENF). Results: The results indicate that PDP, when performed by trained professionals and with adequate infrastructure, is safe for low-risk pregnant women, with positive obstetric and neonatal outcomes. However, access to this modality is largely restricted to women from higher social classes, which reveals structural inequalities in the health system. The recent regulation of the role of obstetric nurses, through COFEN Resolution No. 737/2024, represents progress, but remains insufficient given the existing challenges. Conclusion: Strengthening professional training, expanding specific public policies, and valuing humanized care are essential to democratizing access to PDP in Brazil.

Keywords: Home Childbirth; Humanizing Delivery; Obstetric Nursing; Women’s Health.

Resumen

Parto domiciliario planificado: Los principales factores que influyen en la seguridad y accesibilidad del Parto Domiciliario en Brasil: Una revisión integradora

Introducción: El Parto Domiciliario Planificado (PDP) ha ganado prominencia como una alternativa al modelo hospitalario, especialmente entre las mujeres que buscan mayor autonomía y protagonismo en el proceso de parto. En Brasil, el acceso a esta modalidad aún es limitado, principalmente debido a la falta de políticas públicas en el Sistema Único de Salud (SUS), la desigualdad socioeconómica y la escasez de profesionales calificados. Objetivo: Esta es una revisión integradora de la literatura destinada a analizar los principales factores que influyen en la seguridad y la accesibilidad del PDP en el contexto brasileño. Métodos: Se analizaron trece artículos publicados entre 2014 y 2024, extraídos de Scientific Electronic Library Online (SciELO), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Literatura Latinoamericana y del Caribe en Ciencias de la Salud (LILACS) y la Base de Datos de Enfermería (BDENF). Resultados: Los resultados indican que el PDP, cuando es realizado por profesionales capacitados y con infraestructura adecuada, es seguro para mujeres embarazadas de bajo riesgo, con resultados obstétricos y neonatales positivos. Sin embargo, el acceso a esta modalidad está restringido en gran medida a las mujeres de clases sociales más altas, lo que revela desigualdades estructurales en el sistema de salud. La reciente regulación del rol de las enfermeras obstétricas, mediante la Resolución COFEN n.º 737/2024, representa un avance, pero sigue siendo insuficiente considerando los desafíos existentes. Conclusión: Fortalecer la formación profesional, ampliar las políticas públicas específicas y valorar la atención humanizada son esenciales para democratizar el acceso a la PDP en Brasil.

Palabras-clave: Parto Domiciliario; Humanización del Parto; Enfermería Obstétrica; Salud de la Mujer.

Introdução

O Parto Domiciliar Planejado (PDP) tem emergido como uma alternativa ao modelo hospitalar tradicional, particularmente entre mulheres que buscam maior autonomia sobre o processo de parto. No Brasil, embora a maioria dos nascimentos ainda ocorram em hospitais, observou-se um crescente interesse por esta modalidade, especialmente em contextos urbanos [1]. No entanto, a falta de políticas públicas que ofereçam o PDP no Sistema Único de Saúde (SUS) torna essa prática inacessível para grande parte da população [2].

O PDP é uma opção de parto que deve ser planejada com antecedência, visando as necessidades da gestante, realizado no âmbito domiciliar por profissionais qualificados e com um plano de cuidados que abrange desde o pré-natal ao pós-parto. Tem como um dos principais benefícios a autonomia da mulher perante seu trabalho de parto, além de promover sua individualidade e eliminar intervenções desnecessárias, visando uma experiência humanizada centrada na parturiente e no seu bem-estar [3]. Ademais, sua discussão envolve não apenas a autonomia da mulher, mas também aspectos relacionados à segurança, ao acesso a serviços de saúde de qualidade e à formação dos profissionais envolvidos [1].

Diversos estudos apontam que, em um ambiente controlado, com a presença de profissionais qualificados, o PDP pode ser seguro tanto para a mãe como para o bebê. Contudo, a falta de regulamentação clara e de uma infraestrutura de apoio adequada, especialmente no SUS, torna essa prática uma opção restrita e desigual, acessível principalmente às classes mais altas [5]. O Ministério da Saúde, por meio de suas diretrizes e recomendações, têm demonstrado cautela quanto à expansão do parto domiciliar devido às preocupações com os riscos envolvidos em ambientes não hospitalares e a limitações de recursos e suporte especializado em caso de complicações [4,6].

Essas diretrizes, somadas à realidade dos serviços de saúde no Brasil, reforçam a complexidade e a controvérsia em torno do tema. Embora a literatura científica reconheça benefícios para as mulheres que optam pelo PDP, como a diminuição da intervenção desnecessária e a maior satisfação com o parto [7], os desafios relacionados à formação de profissionais de saúde pública ainda representam barreiras significativas.

No contexto do Parto Domiciliar Planejado, o enfermeiro obstetra exerce um papel fundamental na promoção de uma assistência segura, humanizada e baseada em evidências [5]. Com formação especializada, esse profissional acompanha a mulher ao longo do ciclo gravídico-puerperal, atuando de forma autônoma e colaborativa, com foco na integralidade do cuidado, no respeito à fisiologia do parto e na valorização das escolhas maternas [8]. Estudos apontam que sua atuação está associada à redução de intervenções desnecessárias, à melhora nos desfechos maternos e neonatais e ao aumento da satisfação da mulher com a experiência do parto [9].

A atuação do enfermeiro obstetra no PDP está alinhada às recomendações da Organização Mundial da Saúde, que defendem práticas centradas na mulher, na valorização do parto ativo e na redução de intervenções invasivas [10]. Apesar dos benefícios já consolidados na literatura científica, desafios como a escassez de políticas públicas específicas e a limitação da inserção desse profissional nos serviços de saúde ainda dificultam a ampliação do modelo domiciliar no Brasil [11].

A recente Resolução COFEN nº 737/2024 representa um avanço importante na regulamentação da prática e no reconhecimento da importância do cuidado obstétrico no domicílio, destacando o papel estratégico desse profissional na transformação do modelo de atenção ao parto no país [12].

Diante disso, o presente estudo possui como questão de pesquisa: Quais os principais fatores que influenciam a segurança e a acessibilidade do parto domiciliar no Brasil? Para responder tal questionamento, este estudo tem como objetivo analisar os principais fatores que influenciam a segurança e a acessibilidade do parto domiciliar no Brasil, considerando as evidências científicas.

A relevância desta pesquisa se dá pela necessidade de uma reflexão crítica sobre as condições de acesso e a viabilidade do PDP no Brasil, considerando a crescente insatisfação das mulheres com o sistema obstétrico convencional e os impactos nas taxas de cesariana no país.

Por meio desta análise, espera-se contribuir para o entendimento das práticas de parto no Brasil e, potencialmente, subsidiar políticas públicas que promovam o parto humanizado, seguro e respeitoso para todas as mulheres, independentemente de sua classe social ou local de residência.

Métodos

A revisão integrativa da literatura envolve a análise de diferentes estudos, permitindo uma compreensão abrangente das experiências, benefícios e desafios associados ao Parto Domiciliar Planejado (PDP) no Brasil. Através da revisão integrativa, buscou-se identificar lacunas no conhecimento atual e ao mesmo tempo fornecer uma base sólida para futuras pesquisas nessa área.

O estudo foi realizado conforme rigor metodológico nas seguintes etapas: formulação da questão para a elaboração da revisão integrativa da literatura; especificação dos métodos de seleção dos estudos; procedimento de extração dos dados; análise e avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa da literatura; extração dos dados e apresentação da revisão/síntese do conhecimento produzido e publicado.

A busca pelos artigos foi realizada nas bases de dados SciELO, MEDLINE, LILACS e BDENF, acessadas por meio da biblioteca virtual em saúde (BVS). Utilizou-se como estratégia de busca: “Parto Domiciliar AND enfermagem obstétrica” com o recorte geográfico (Brasil) como critério de inclusão. Na base SciELO, a seleção por país foi realizada manualmente durante a etapa de triagem.

Em seguida, tem-se o fluxograma que representa o processo de identificação, triagem, elegibilidade e inclusão dos estudos na revisão integrativa. Trata-se de um modelo adaptado da estratégia PRISMA:

Fonte: Elaborado pelas autoras (2025)

Figura 1 – Fluxograma do processo de seleção dos estudos (PRISMA Adaptado)

Resultados

A análise dos 15 artigos selecionados para esta revisão integrativa evidenciou uma predominância de estudos nacionais concentrados nas regiões Sudeste e Nordeste, refletindo a maior mobilização científica em áreas urbanas e com alta densidade populacional. A produção científica foi mais consistente entre 2017 e 2021, indicando um interesse crescente pelo Parto Domiciliar Planejado, impulsionado por debates sobre humanização do parto e o elevado índice de cesarianas no Brasil.

Os estudos, em sua maioria qualitativos, abordam principalmente os desfechos clínicos do PDP e os fatores socioeconômicos e culturais que influenciam sua escolha. Eles apontam que, quando realizado com equipe qualificada e em ambiente preparado, o PDP apresenta segurança comparável ao parto hospitalar de baixo risco, mas enfrenta obstáculos como a ausência de políticas públicas específicas e a limitação de acesso via SUS.

Tabela 1 – Caracterização dos estudos incluídos na revisão integrativa sobre Parto Domiciliar Planejado: Os principais fatores que influenciam a segurança e a acessibilidade do parto domiciliar no Brasil

Autor/Ano

Objetivo

Tipo de estudo

Principais achados

Pereira, Persilva, Mainbourg

(2017)

Refletir sobre a atuação em rede a partir da experiência do acompanhamento de partos domiciliares planejados numa capital

Estudo descritivo do tipo relato de experiência

O planejamento articulado com a rede de saúde permite atender tanto às condições de segurança do parto, quanto à particularidade do contexto familiar e cultural, favorecendo o empoderamento feminino.

Cursino e Peloggia (2020)

Revisar a produção bibliográfica nacional acerca de parto domiciliar entre os anos de 2008 e 2018

Revisão sistemática

O PDP tem crescido entre parcelas privilegiadas da população, representando importante prática de exercício da autonomia da mulher em contraponto ao modelo obstétrico vigente,

Reinicke

(2023)

Identificar o perfil epidemiológico de mulheres que optaram pelo parto domiciliar planejado em um município localizado no norte de Santa Catarina

Pesquisa quantitativa, transversal, com coleta de dados

As mulheres que optaram pelo parto domiciliar planejado têm média de 31 anos de idade, são, majoritariamente, brancas, casadas, com ensino superior completo, multigestas, planejaram a gestação e realizaram o pré-natal adequadamente.

Webler

(2023)

Compreender o exercício da autonomia profissional de enfermeiras obstétricas na condução de intercorrências em parto domiciliar planejado.

Estudo qualitativo

Emergiram dos discursos coletivos quatro ideias centrais relacionadas ao exercício da autonomia profissional de enfermeiras obstétricas: decisões compartilhadas; instrumentalização teórico-prática; expertise profissional e trabalho em equipe.

Queiroz (2025)

Conhecer as experiências de puérperas que vivenciaram o processo de parturição atendidas por enfermeiros obstétricos em um centro de parto normal no norte do Brasil

Pesquisa descritiva de caráter exploratório

A qualidade da comunicação entre os profissionais de saúde e as puérperas impacta diretamente na confiança e na segurança dessas mulheres, influenciando a forma como vivenciam o parto.

Paim et al.

(2025)

Refletir sobre o modelo de assistência ao Parto Domiciliar Planejado no Brasil

Estudo teórico-reflexivo

Prioriza-se o respeito à fisiologia do parto, em conjunto com a segurança e o conforto proporcionados pelo ambiente domiciliar.

Koettker

(2018)

Descrever as práticas obstétricas em partos domiciliares planejados, assistidos por profissionais qualificados no Brasil

Estudo descritivo

As práticas obstétricas adotadas são consistentes com as evidências científicas. O parto domiciliar pode ser uma opção para mulheres que buscam um parto fisiológico.

Beviláqua

(2023)

Compreender as percepções de enfermeiras obstétricas sobre a assistência ao parto domiciliar planejado no contexto do modelo obstétrico brasileiro

Estudo qualitativo

A assistência obstétrica domiciliar emergiu como contraponto à assistência hospitalar e ao modelo biomédico, proporcionando um cuidado domiciliar pautado em evidências científicas e na humanização.

Gonçalves, Brigagão e Hokama

(2021)

Relatar a experiência de intervenção em saúde em quatro municípios que compõem a região do Alto Tietê no Estado de São Paulo

Estudo descritivo

Torna-se necessário trabalhar para garantir a inclusão das famílias nas ações de saúde preconizadas pelo Ministério da Saúde e oficializar o fluxo de encaminhamentos das crianças que nascem em PDP nos diversos municípios.

Reitsma

(2020)

Avaliar os resultados do parto domiciliar pretendido

Revisão sistemática

O risco de natimorto, mortalidade ou morbidade neonatal não difere se o parto for planejado em casa ou no hospital.

Rodrigues et al

(2022)

Compreender a percepção das mulheres quanto à assistência recebida durante o parto e nascimento

Estudo descritivo-exploratório

A humanização da assistência obstétrica requer mudanças de atitudes e paradigmas assistenciais, a fim de garantir respeito e direito à assistência de qualidade.

Souza et al (2018)

Descrever as dificuldades encontradas por enfermeiras obstétricas no atendimento ao parto domiciliar planejado

Pesquisa descritiva de abordagem qualitativa

Necessário avançar na discussão sobre o parto no domicílio no país, garantindo ampliação de políticas públicas e padronização de protocolos de atendimento para amparar as transferências.

Macdorman e Declercq (2019)

Examinar as tendências nos partos fora do hospital, o perfil de risco desses partos e as diferenças entre os estados no acesso das mulheres a esses partos.

Estudo de caso

A falta de seguro ou cobertura são fatores limitantes para mulheres que desejam parto fora do hospital.

Galera-Barbero e Aguilera-Manrique

(2022)

Escrever e compreender as experiências, percepções e atitudes de pais que planejaram um parto domiciliar na Espanha.

Estudo qualitativo

De acordo com nossa pesquisa, a sociedade em geral e os profissionais de saúde pública em particular emitem inúmeras críticas e julgamentos de valor em relação a mães e pais que optam pelo parto domiciliar em nosso país. Além disso, o estudo mostra as desigualdades econômicas e culturais no acesso ao parto domiciliar na Espanha.

Medina et al (2023)

Comparar a assistência obstétrica em uma casa de parto e em hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) da Região Sudeste do Brasil

Estudo transversal

Investir na formação da enfermagem obstétrica e na ampliação e criação de mais casas de parto tem potencial para mudar a realidade obstétrica no Brasil, seja no SUS ou no sistema privado

Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos estudos incluídos (2017-2021).

Discussão

A discussão proposta neste artigo busca analisar os principais fatores que influenciam a segurança e a acessibilidade do Parto Domiciliar Planejado no Brasil, à luz das evidências científicas mais recentes e das diretrizes oficiais. Diversos estudos apontam que, quando realizado em ambiente adequado, com profissionais capacitados e protocolos assistenciais bem definidos, o PDP apresenta desfechos obstétricos e neonatais positivos, similares aos observados em partos hospitalares de baixo risco [13].

No entanto, essa segurança técnica só é alcançada quando há uma estrutura mínima de suporte, o que ainda é um privilégio de uma parcela específica da população. A presença de equipes treinadas, o planejamento prévio do parto e o acesso rápido a unidades hospitalares em casos de intercorrência são aspectos fundamentais que garantem a efetividade e a segurança do PDP [9].

Por outro lado, a acessibilidade ao parto domiciliar seguro no Brasil é profundamente desigual e marcada por barreiras socioeconômicas. Dados apontam que cerca de 78% das mulheres de classe média que desejam realizar o PDP conseguem efetivar essa escolha com segurança, principalmente por terem condições de contratar equipes particulares e adequar o ambiente domiciliar [3,2].

Em contraste, somente 21% das mulheres de baixa renda conseguem realizar o PDP seguramente, sendo as demais impedidas por fatores como a ausência de oferta pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a escassez de profissionais qualificados na rede pública e limitações logísticas e de infraestrutura básica [14]. Essa desigualdade escancara o desafio de garantir equidade no acesso a um direito reprodutivo legítimo e respaldado por evidências científicas.

Além da infraestrutura e dos recursos financeiros, a formação profissional e a regulamentação da prática do PDP são fatores determinantes para sua viabilidade e segurança. A atuação de enfermeiros, obstetras e obstetrizes é essencial nesse modelo de assistência, e estudos demonstram que quanto maior a experiência desses profissionais com o PDP, mais segura é a assistência prestada [1,5].

A Resolução nº 737/2024 do COFEN normatiza a atuação desses profissionais no contexto do PDP, representando um avanço importante, embora ainda insuficiente para garantir a expansão do modelo em escala nacional. A necessidade de investimento contínuo na formação especializada, bem como o fortalecimento de redes de apoio e a criação de políticas públicas específicas, é reiterada por diversas publicações [6,9].

Outro ponto relevante que merece destaque na análise do PDP no Brasil diz respeito à autonomia reprodutiva das mulheres e ao respeito às suas escolhas no contexto da assistência obstétrica. O modelo tecnocrático de atenção ao parto ainda predominante nos hospitais brasileiros frequentemente desconsidera os desejos da parturiente, promovendo práticas intervencionistas desnecessárias e contribuindo para índices elevados de violência obstétrica [7]. Nesse cenário, o PDP se apresenta como uma alternativa que valoriza o protagonismo feminino, permitindo que a mulher esteja no centro das decisões sobre seu corpo e seu parto.

Estudos demonstram que, para muitas gestantes, a escolha pelo parto domiciliar está diretamente relacionada à busca por um ambiente acolhedor, com menor medicalização e maior privacidade, fatores que contribuem para uma experiência de parto mais positiva e respeitosa [1,5,8].

Ademais, a integração efetiva entre os serviços de atenção primária à saúde, os profissionais que atuam no PDP e os serviços hospitalares de referência ainda é um desafio a ser superado no Brasil. A inexistência de fluxos estabelecidos para transferência de gestantes em situação de emergência compromete a segurança da assistência e pode gerar resistência de instituições hospitalares em acolher casos provenientes do domicílio [4,6,18].

Tal cenário evidencia a urgência de políticas públicas que promovam a articulação intersetorial e a criação de protocolos regionais de referência e contra-referência, como já ocorre em outros países. A construção de um sistema de saúde mais responsivo, que reconheça e incorpore o PDP como parte legítima da rede de cuidados, é essencial para garantir não apenas a segurança clínica, mas também o direito das mulheres a uma experiência de parto digna, segura e humanizada [9,17,20].

Os estudos selecionados nesta revisão foram organizados em quatro categorias temáticas, permitindo uma análise mais aprofundada dos diferentes aspectos que envolvem o parto domiciliar planejado no Brasil. A primeira categoria abrange os desfechos obstétricos e neonatais, evidenciando que, quando realizado com critérios adequados de seleção e assistência por profissionais qualificados, o PDP apresenta índices de morbimortalidade semelhantes ou inferiores aos do parto hospitalar [15].

A segunda categoria diz respeito às características socioeconômicas e culturais das mulheres que optam por essa modalidade de parto, revelando um perfil majoritariamente composto por mulheres com maior escolaridade, acesso à informação e protagonismo na tomada de decisões sobre o parto [5,19]. A terceira categoria explora a percepção dos profissionais de saúde envolvidos, destacando tanto a valorização do cuidado centrado na mulher quanto os desafios enfrentados na prática cotidiana [16].

Por fim, a quarta categoria aborda as barreiras institucionais e as lacunas nas políticas públicas, apontando a necessidade de maior reconhecimento e regulamentação do PDP no âmbito do sistema de saúde, bem como de investimentos em formação profissional e integração com os serviços de referência hospitalar [17,18].

Importante ressaltar que a discussão também se beneficia da análise comparativa com experiências internacionais. Em países como Suécia e Estados Unidos, onde o PDP é integrado ao sistema público ou regulado com rigor técnico, observa-se maior segurança e aceitação social da prática [20]. No Brasil, o caminho ainda é desafiador, exigindo uma reestruturação das práticas obstétricas, o fortalecimento do SUS e o reconhecimento do PDP como uma alternativa legítima e segura para gestações de baixo risco.

Assim, este artigo pretende contribuir para o debate sobre a humanização do parto e a democratização do acesso ao PDP, propondo estratégias que considerem não somente os aspectos clínicos, mas também os determinantes sociais e institucionais que sustentam a escolha pelo parto em casa.

Conclusão

Os dados analisados demonstram que o acesso ao PDP é fortemente condicionado por desigualdades socioeconômicas. Enquanto cerca de 78% das mulheres de classe média conseguem realizar o PDP com segurança, somente 21% das mulheres de baixa renda têm essa possibilidade, enfrentando barreiras como a falta de oferta no SUS, carência de profissionais capacitados e dificuldades estruturais. Essa disparidade é reconhecida inclusive nas diretrizes do Ministério da Saúde, que condicionam a realização do PDP a critérios rigorosos. Estudos internacionais e nacionais reforçam que a segurança do parto domiciliar depende diretamente da qualificação profissional e de uma rede de suporte eficaz, fatores ainda inacessíveis para grande parte da população vulnerável. Assim, o acesso ao PDP não se resume a uma questão de escolha, mas envolve uma complexa rede de fatores sociais, econômicos e institucionais.

Faz-se necessário mais pesquisas e debates sobre o Parto Domiciliar Planejado no Brasil, ampliando o conhecimento científico e promovendo mudanças nas políticas públicas que respeitem a diversidade cultural e social do país. O acesso a um parto seguro, humanizado e respeitoso é um direito fundamental das mulheres e deve ser garantido por meio de estratégias que valorizem o cuidado centrado na parturiente, a autonomia feminina e a atuação qualificada dos profissionais de saúde.

Vinculação Acadêmica

As autoras são estudantes do curso de Graduação em Enfermagem do Centro Universitário CESMAC. A orientadora é a Professora Mestre Larissa Lages Ferrer de Oliveira do mesmo curso.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.

Fontes de financiamento

Esta pesquisa não possui financiamento.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Santana DCSF, Santos MBCM, Oliveira LLF; Coleta de dados: Santana DCSF, Santos MBCM; Análise e interpretação dos dados: Santana DCSF, Santos MBCM; Redação do manuscrito: Santana DCSF, Santos MBCM; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Santana DCSF, Santos MBCM, Oliveira LLF.

Referências

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