ARTIGO ORIGINAL
Tuberculose drogarresistente em Alagoas: um estudo epidemiológico
Rogério Rodrigues Feitosa1, Ákila Kauana Lima Santos1, Marlene de Souza Lima1, Maria da Glória Freitas1, Uirassú Tupinambá Silva de Lima1
1Centro Universitário CESMAC, Maceió, AL, Brasil
Recebido em: 26 de Maio de 2025; Aceito em: 28 de Maio de 2025
Correspondência: Rogério Rodrigues Feitosa, rogeriorfeitosa@hotmail.com
Como citar
Feitosa RR, Santos AKL, Lima MS, Freitas MG, De Lima UTS. Tuberculose drogarresistente em Alagoas: um estudo epidemiológico. Enferm Bras. 2025;24(2):2205-2218. doi: 10.62827/eb.v24i2.4050
Introdução: A tuberculose (TB) é uma doença infecciosa e contagiosa, de origem bacteriana, que pode se manifestar nas formas pulmonar e extrapulmonar. Seu desenvolvimento está relacionado a fatores endógenos, como a resposta imunológica, e exógenos, como condições socioeconômicas. Objetivo: Analisou-se a situação da tuberculose resistente a medicamentos (TB-DR) no Estado de Alagoas no período de 2019 a 2024. Métodos: Trata-se de uma pesquisa epidemiológica, descritiva, retrospectiva e de abordagem quantitativa, baseado em dados secundários. Para análise das características epidemiológicas, foram selecionadas as variáveis: gênero, raça/cor, escolaridade, cidade de residência, faixa etária, início e término do tratamento, tipo de entrada (caso novo, recidiva, após abandono e falência), tipo de resistência (primária ou adquirida), padrão de resistência inicial e atual, forma clínica, situação de encerramento, Tratamento Diretamente Observado (TDO), tratamentos anteriores, diagnóstico de baciloscopia e resultado de cultura. Resultados: Houve predomínio do gênero masculino 82,40% (n=61), cor parda 86,50% (n=64), idade entre 30 a 44 anos 29,73% (n=22) e escolaridade compreendendo de 4 a 7 anos de estudos 32,43% (n=24). Com relação aos aspectos clínicos, 98,65% (n=73) dos indivíduos apresentaram a forma pulmonar, que é a forma clínica de transmissão da doença. Quanto a evolução, apenas 25,68% (n=19) obtiveram alta com cura e 36,48% (n=27) abandonaram o tratamento da TB-DR. Os achados reforçam a complexidade do manejo da TB-DR, com destaque para as barreiras assistenciais, a baixa taxa de cura e o abandono do tratamento, evidenciando a necessidade de estratégias integradas e mais eficazes de diagnóstico, acompanhamento e suporte ao paciente. Conclusão: A tuberculose continua sendo um sério problema de Saúde Pública em Alagoas, especialmente devido aos casos de abandono do tratamento, que favorecem o surgimento de cepas resistentes e reforçam a necessidade de políticas públicas voltadas ao diagnóstico precoce, adesão terapêutica e manejo adequado da doença.
Palavras-chave: Tuberculose; Epidemiologia; Resistência a Medicamentos; Interrupção do Tratamento.
Drug-Resistant Tuberculosis in Alagoas: an epidemiological Study
Introduction: Tuberculosis (TB) is an infectious and contagious bacterial disease that can present in pulmonary and extrapulmonary forms. Its development is associated with endogenous factors, such as immune response, and exogenous factors, such as socioeconomic conditions. Objective: To analyze the situation of drug-resistant tuberculosis (DR-TB) in the state of Alagoas from 2019 to 2024. Methods: This is an epidemiological, descriptive, retrospective study with a quantitative approach, based on secondary data. To analyze epidemiological characteristics, the following variables were selected: gender, race/skin color, education level, city of residence, age group, start and end of treatment, type of entry (new case, recurrence, after abandonment and treatment failure), type of resistance (primary or acquired), initial and current resistance pattern, clinical form, treatment outcome, Directly Observed Treatment (DOT), previous treatments, sputum smear microscopy diagnosis, and culture result. Results: There was a predominance of males 82.40% (n=61), brown skin color 86.50% (n=64), age between 30 and 44 years 29.73% (n=22), and education level of 4 to 7 years of schooling 32.43% (n=24). Regarding clinical aspects, 98.65% (n=73) of individuals presented with the pulmonary form, which is the clinical form responsible for the transmission of the disease. As for outcomes, only 25.68% (n=19) were discharged as cured, and 36.48% (n=27) abandoned treatment. The findings highlight the complexity of managing DR-TB, especially regarding healthcare barriers, low cure rates, and high treatment abandonment, emphasizing the need for more effective and integrated strategies for diagnosis, follow-up, and patient support. Conclusion: Tuberculosis remains a serious public health issue in Alagoas, particularly due to treatment abandonment, which contributes to the emergence of resistant strains and reinforces the need for public policies focused on early diagnosis, treatment adherence, and proper disease management.
Keywords: Tuberculosis; Epidemiology; Drug Resistance; Treatment Interruption.
Tuberculosis farmacorresistente en Alagoas: un estudio epidemiológico
Introducción: La tuberculosis (TB) es una enfermedad infecciosa y contagiosa de origen bacteriano, que puede manifestarse en formas pulmonares y extrapulmonares. Su desarrollo está relacionado con factores endógenos, como la respuesta inmunológica, y exógenos, como las condiciones socioeconómicas. Objetivo: Analizar la situación de la tuberculosis resistente a medicamentos (TB-RM) en el estado de Alagoas, en el período de 2019 a 2024. Métodos: Se trata de una investigación epidemiológica, descriptiva, retrospectiva y con enfoque cuantitativo, basada en datos secundarios. Para el análisis de las características epidemiológicas se seleccionaron las siguientes variables: sexo, raza/color, escolaridad, ciudad de residencia, grupo etario, inicio y finalización del tratamiento, tipo de entrada (caso nuevo, recaída, después del abandono y fallo terapéutico), tipo de resistência , patrón de resistencia inicial y actual, forma clínica, situación al egreso, Tratamiento Directamente Observado (TDO), tratamientos previos, diagnóstico por baciloscopia y resultado de cultivo. Resultados: Se observó un predominio del sexo masculino 82,40% (n=61), color pardo 86,50% (n=64), edad entre 30 y 44 años 29,73% (n=22) y escolaridad de 4 a 7 años de estudio 32,43% (n=24). En cuanto a los aspectos clínicos, el 98,65% (n=73) de los individuos presentaron la forma pulmonar, que es la forma clínica responsable de la transmisión de la enfermedad. Respecto a la evolución, solo el 25,68% (n=19) fueron dados de alta con curación y el 36,48% (n=27) abandonaron el tratamiento. Los hallazgos refuerzan la complejidad del manejo de la TB-RM, destacando las barreras asistenciales, la baja tasa de curación y el abandono del tratamiento, lo que evidencia la necesidad de estrategias más eficaces e integradas para el diagnóstico, seguimiento y apoyo al paciente. Conclusión: La tuberculosis sigue siendo un grave problema de salud pública en Alagoas, especialmente debido a los casos de abandono del tratamiento, que favorecen la aparición de cepas resistentes y refuerzan la necesidad de políticas públicas enfocadas en el diagnóstico precoz, la adherencia terapéutica y el manejo adecuado de la enfermedad.
Palabras-clave: Tuberculosis; Epidemiología; Resistencia a Medicamentos; Interrupción del Tratamiento.
A tuberculose (TB) é uma doença infecciosa e contagiosa causada pelo Mycobacterium tuberculosis, podendo se manifestar nas formas pulmonar, extrapulmonar ou em ambas simultaneamente. De distribuição global, seu desenvolvimento está associado a fatores endógenos, como a resposta imunológica e condições clínicas específicas, além de fatores exógenos, incluindo determinantes sociais e condições socioeconômicas. Devido à sua elevada transmissibilidade e forte impacto social, a TB representa um desafio significativo para os sistemas de saúde, exigindo medidas eficazes de prevenção, diagnóstico e tratamento [1,2].
A TB pulmonar, forma mais comum da doença, manifesta-se principalmente por tosse persistente por três semanas ou mais. Além desse sintoma, outros sinais podem estar presentes, como febre no período da tarde, perda significativa de peso, suor noturno e fadiga. Vale ressaltar que contrair TB não garante imunidade contra novas infecções ou recaídas. Dessa forma, indivíduos podem adoecer novamente se houver nova exposição ao bacilo, especialmente em regiões onde a doença é mais prevalente [3].
A TB pode ser prevenida, diagnosticada e tratada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, diversos fatores podem dificultar o acesso da população a esses serviços, além de comprometer a adesão ao tratamento e o acompanhamento adequado pelos profissionais de saúde, o que favorece a disseminação da doença. Por isso, é fundamental que as atividades realizadas rotineiramente pelos serviços de saúde sejam monitoradas e avaliadas por meio de indicadores, permitindo a análise dos avanços no combate à tuberculose e a reformulação de estratégias para alcançar os objetivos estabelecidos [4].
O crescimento acelerado da Tuberculose droga-resistente (TB-DR) nos últimos anos tem gerado grande preocupação entre autoridades e gestores da saúde. Esse cenário evidencia o risco de comprometimento da eficácia dos tratamentos disponíveis, tornando essencial a adoção de estratégias assistenciais ampliadas, que não se limitem apenas ao uso de medicamentos, mas também incluam medidas integradas para o controle da doença [5].
É importante destacar o papel da equipe multidisciplinar de saúde na assistência aos pacientes TB-DR. O enfermeiro desempenha um papel fundamental no cuidado às pessoas com TB-DR no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS). O protocolo lançado pelo MS reforça atribuições como a realização da consulta de enfermagem, o planejamento, a coordenação, o gerenciamento e a avaliação das ações de cuidado. Além disso, destaca-se a atuação do enfermeiro nas estratégias de Educação Permanente em Saúde (EPS), no manejo do Tratamento Diretamente Observado (TDO), nas ações de vigilância epidemiológica e no controle da TB-DR [6].
A tuberculose resistente a medicamentos (TB-DR) é classificada com base no nível de resistência do bacilo aos fármacos utilizados no tratamento. Quando a resistência ocorre apenas à rifampicina (R), a TB é classificada como resistente à R. No caso de resistência a um único medicamento antituberculoso, exceto a R, a doença é considerada monorresistente. Se houver resistência a dois ou mais tuberculostáticos, exceto à combinação de rifampicina e isoniazida (H), a TB é classificada como polirresistente. Já a tuberculose multirresistente (TB-MDR) é caracterizada pela resistência simultânea à R e à H. Por fim, a forma extensivamente resistente (TB-XDR) ocorre quando, além da resistência à R e à H, o bacilo é insensível a qualquer fluoroquinolona e a pelo menos um dos três medicamentos injetáveis de segunda linha [7].
Diante dessa realidade, emerge a seguinte questão norteadora: como se caracteriza a magnitude da tuberculose resistente (TB-DR) no estado de Alagoas? A compreensão desse cenário torna-se imprescindível para identificar os principais desafios e orientar estratégias eficazes no enfrentamento e controle da TB-DR no contexto estadual.
Trata-se de um estudo epidemiológico, descritivo e retrospectivo de caráter quantitativo, cuja proposta é analisar como se dá a magnitude da TB-DR em Alagoas. O levantamento foi realizado através da base de dados dos casos de Tuberculose drogarresistente (TB-DR) no Estado de Alagoas.
Este estudo foi desenvolvido com base em dados secundários fornecidos pela Secretaria Estadual de Saúde de Alagoas (SESAU), os quais se mostraram essenciais para a problematização do tema proposto. Por se tratar de registros oficiais, atualizados e diretamente relacionados à realidade investigada, esses dados possibilitaram uma análise fundamentada e alinhada aos objetivos da pesquisa. A utilização dessas informações contribuiu para compreender a dimensão do problema e orientar a construção de reflexões e discussões pertinentes ao objeto de estudo, além de oferecer subsídios importantes para a área da epidemiologia, ao possibilitar a identificação de padrões, fatores determinantes e estratégias de intervenção mais eficazes.
A coleta de dados foi realizada por meio de um instrumento fornecido pela SESAU, o qual contém os casos confirmados de TB. A análise desses dados, que foram tabulados, teve como foco o período entre 2019 e 2024 no Estado de Alagoas. As variáveis analisadas incluíram características demográficas, como gênero, faixa etária, raça/cor, escolaridade e cidade de residência. Em relação ao diagnóstico, foram considerados os resultados da baciloscopia e da cultura de escarro, além de classificar a forma clínica da tuberculose como pulmonar ou extrapulmonar.
O padrão de resistência da doença foi examinado, incluindo casos de polirresistência, resistência à rifampicina, multirresistência e monorresistência. A evolução dos casos foi registrada com base nos desfechos observados, como cura, tratamento em andamento, tratamento completo, óbito por tuberculose, óbito por outras causas, abandono do tratamento ou mudança de diagnóstico.
Para análise dos dados coletados foi utilizado o software Microsoft Excel®, por meio de análise estatística e tabulação de dados, sendo utilizada estatística descritiva. Os resultados foram apresentados por meio de tabelas.
Devido a utilização de dados públicos que estão disponíveis para a população geral, não houve necessidade de apreciação em Comitê de Ética em Pesquisa da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa CEP/CONEP, estando de acordo com a Resolução 510 de 07/04/2016, art. 1o, inciso III.
Na base de dados analisada foram identificados 74 registros referente ao tratamento de Tuberculose Drogarresistente (TB-DR) no Estado de Alagoas. No que diz respeito às características sociodemográficas, houve destaque para o gênero masculino, com 82,40% (n=61), raça/cor parda, com 86,50% (n=64), faixa etária entre 30 a 44 anos, com 29,73% (n=22), e observou-se que a maior proporção dos casos ocorreu entre indivíduos com escolaridade correspondente de 4 a 7 anos de estudo, com 32,43% (n=24) e 14,87% (n=11) não possuem qualquer escolaridade formal conforme apresentado na tabela 1.
Tabela 1 - Caracterização sociodemográfica dos casos de TB-DR diagnosticadas em Alagoas, Brasil, 2019-2024
|
Variáveis |
n |
% |
|
|
Gênero |
Masculino |
61 |
82,40 |
|
Feminino |
13 |
17,60 |
|
|
Raça/Cor |
Branca |
9 |
12,20 |
|
Preta |
1 |
1,30 |
|
|
Parda |
64 |
86,50 |
|
|
Faixa etária |
18 a 29 anos |
19 |
25,68 |
|
30 a 44 anos |
22 |
29,73 |
|
|
45 a 55 anos |
19 |
25,68 |
|
|
56 a 79 anos |
14 |
18,91 |
|
|
Escolaridade |
Nenhum |
11 |
14,87 |
|
1 a 3 anos |
20 |
27,02 |
|
|
4 a 7 anos |
24 |
32,43 |
|
|
8 a 11 anos |
7 |
9,46 |
|
|
12 ou mais |
7 |
9,46 |
|
|
Ignorado |
5 |
6,76 |
|
Quanto a análise da cidade de residência dos registros, associada ao gênero, evidencia um predomínio marcante de indivíduos do sexo masculino em praticamente todos os municípios representados na amostra. A cidade de Maceió, capital do estado de Alagoas, concentra a maior parte dos atendimentos relacionados a TB-DR, com um total de 67,56% (n=50), dos quais 58,10% (n=43) são do sexo masculino e 9,46% (n=7) do sexo feminino, como apresentado na tabela 2.
Tabela 2 - Análise das cidades de residência por gênero
|
Cidades |
Gênero Masculino |
Gênero Feminino |
||
|
n |
% |
n |
% |
|
|
Arapiraca |
2 |
2,71 |
1 |
1,35 |
|
Barra de Santo Antônio |
1 |
1,35 |
- |
- |
|
Cajueiro |
1 |
1,35 |
- |
- |
|
Campo Alegre |
2 |
2,71 |
- |
- |
|
Capela |
1 |
1,35 |
- |
- |
|
Colônia Leopoldina |
1 |
1,35 |
- |
- |
|
Coruripe |
- |
- |
1 |
1,35 |
|
Craíbas |
- |
- |
2 |
2,71 |
|
Ibateguara |
- |
- |
1 |
1,35 |
|
Limoeiro de Anadia |
1 |
1,35 |
- |
- |
|
Maceió |
43 |
58,10 |
7 |
9,46 |
|
Palmeira dos Índios |
3 |
4,05 |
1 |
1,35 |
|
Rio Largo |
2 |
2,71 |
- |
- |
|
Santana do Ipamena |
1 |
1,35 |
- |
- |
|
São Sebastião |
1 |
1,35 |
- |
- |
|
Teotônio Vilela |
1 |
1,35 |
- |
- |
|
Traipu |
1 |
1,35 |
- |
- |
Em relação ao tipo de entrada, observou-se que 75,67% dos pacientes (n=56) eram casos novos, o que indica que medidas de prevenção devem ser reforçadas para impedir a disseminação da doença. Quanto ao tipo de resistência, a primária foi de 55,41% (n=41), tendo destaque para o padrão de resistência inicial, 54,05% (n=40) com resistência à Rifampicina e o padrão de resistência atual, 50,00% (n=37) apresentando multirresistência, apresentado na tabela 3.
Tabela 3 - Caracterização dos casos de TB-DR conforme tipo de entrada, categoria de resistência e padrões de resistência inicial e atual. Alagoas, 2019–2024
|
Variáveis |
n |
% |
|
|
Tipo de entrada |
Caso novo |
56 |
75,67 |
|
Recidiva |
1 |
1,35 |
|
|
Após abandono |
13 |
17,57 |
|
|
Falência |
4 |
5,41 |
|
|
Tipo de resistência |
Primária |
41 |
55,41 |
|
Adquirida |
33 |
44,59 |
|
|
Padrão de resistência inicial |
Polirresistência |
7 |
9,46 |
|
Resistência à Rifampicina |
40 |
54,05 |
|
|
Multirresistência |
12 |
16,22 |
|
|
Monorresistência |
15 |
20,27 |
|
|
Padrão de resistência atual |
Polirresistência |
7 |
9,46 |
|
Resistência à Rifampicina |
18 |
24,33 |
|
|
Multirresistência |
37 |
50,00 |
|
|
Monorresistência |
11 |
14,86 |
|
|
Ignorado |
1 |
1,35 |
|
No que se refere às formas clínicas, foi destacada a TB pulmonar, com 98,65% (n=73), onde é predominantemente mais transmissível. A baciloscopia de escarro foi o exame mais utilizado para diagnosticar a doença, sendo positiva (+) em 25,67% (n=19) e negativa em 28,38% (n=21). É relevante destacar que indivíduos com baciloscopia positiva representam uma fonte de transmissão da doença. A cultura de escarro foi realizada em 90,54% (n=67) dos indivíduos, conforme tabela 4.
Em relação à situação de encerramento 100% apresentam registro de acompanhamento, com 25,68% (n=19) curados, 36,48% (n=27) abandono, 16,22% (n=12), sendo (n=02) em tratamento em 2023 e (n=10) com início em 2024, tabela 4.
Tabela 4 - Características clínicas dos casos de tuberculose diagnosticadas em Alagoas, Brasil, 2019-2024
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Variáveis |
n |
% |
|
|
Forma Clínica |
Pulmonar |
73 |
98,65 |
|
Extrapulmonar |
1 |
1,35 |
|
|
Métodos de diagnóstico (Baciloscopia) |
Positivo 1 a 9 bacilos |
5 |
6,76 |
|
Positivo (+) |
19 |
25,67 |
|
|
Positivo (++) |
9 |
12,16 |
|
|
Positivo (+++) |
18 |
24,32 |
|
|
Negativo |
21 |
28,38 |
|
|
Ignorado |
2 |
2,71 |
|
|
Resultado de Cultura |
Positivo |
58 |
78,38 |
|
Negativo |
6 |
8,11 |
|
|
Contaminado |
3 |
4,05 |
|
|
Ignorado |
7 |
9,46 |
|
|
Situação de encerramento |
Cura |
19 |
25,68 |
|
Abandono |
27 |
36,48 |
|
|
Óbito por Tuberculose |
2 |
2,70 |
|
|
Óbito por outras causas |
4 |
5,41 |
|
|
Tratamento completo |
6 |
8,11 |
|
|
Falência |
3 |
4,05 |
|
|
Mudança de diagnóstico |
1 |
1,35 |
|
|
Em tratamento |
12 |
16,22 |
|
Um aspecto crítico observado foi a baixa implementação do Tratamento Diretamente Observado (TDO). Apenas 4,05% dos pacientes (n=3) realizaram o TDO, enquanto 79,73% (n=59) não passaram por essa estratégia de acompanhamento, e 16,22% (n=12) não tinham informação registrada.
A análise dos dados relacionados ao número de tratamentos anteriores entre os pacientes com TB-DR revela um cenário preocupante de reincidência e persistência da doença. Dos 74 casos avaliados, 23% (n=17) não apresentavam histórico de tratamento anterior, o que reforça a hipótese de infecção por cepas já resistentes, caracterizando resistência primária.
Especificamente, 39,2% (n=29) realizaram um tratamento anterior, enquanto 21,6% (n=16) já haviam sido submetidos a dois tratamentos. Outros 9,5% (n=7) passaram por três tratamentos, o que indica quadros de maior complexidade, potencialmente associados à falência terapêutica ou à reincidência. Além disso, 4,1% (n=3) tinham histórico de quatro tratamentos, 1,3% (n=1) realizou cinco tratamentos e 1,3% (n=1) havia feito sete tratamentos prévios, configurando um perfil de extrema gravidade e provável resistência extensiva aos fármacos.
Durante a análise dos dados, observou-se uma significativa incompletude nas variáveis relacionadas ao contexto social e epidemiológico dos casos TB-DR. Informações essenciais, como o local provável de contágio, bem como a vinculação dos pacientes a populações-chave como profissionais de saúde, população em situação de rua e imigrantes não estavam devidamente registradas em grande parte dos casos ou estavam completamente ausentes na base analisada.
A predominância masculina também foi constatada em outros estudos epidemiológicos [8,3]. Tal disparidade pode estar relacionada ao fato de os homens estarem mais frequentemente expostos a fatores de risco, como o consumo excessivo de álcool, o tabagismo e o uso de substâncias ilícitas [9].
As desigualdades raciais exercem influência direta nos desfechos desfavoráveis da TB, uma vez que pessoas negras e pardas frequentemente enfrentam barreiras estruturais e socioeconômicas que dificultam tanto o acesso aos serviços de saúde quanto a continuidade do tratamento, contribuindo para o agravamento do quadro clínico e aumento das taxas de abandono [10].
É possível que, por estarem mais expostos a fatores de risco, os indivíduos em idade produtiva tenham apresentado maior número de notificações, padrão também observado em nível nacional. Essa realidade pode estar associada ao impacto financeiro que a tuberculose gera tanto para o paciente quanto para sua família, devido às limitações decorrentes do adoecimento [1].
A faixa etária mais avançada representa um fator de vulnerabilidade associado a desfechos negativos da tuberculose, em razão da imunossenescência um processo natural do envelhecimento que compromete a eficácia do sistema imunológico, reduzindo sua capacidade de resposta frente às infecções [10].
O nível de escolaridade está diretamente relacionado à forma como os indivíduos acessam e utilizam os serviços de saúde. Pessoas com maior grau de instrução tendem a compreender melhor as informações de saúde, o que favorece a tomada de decisões mais conscientes em relação à própria condição clínica. Além disso, a educação contribui para o reconhecimento precoce de sinais e sintomas, para a busca por atendimento adequado e para uma maior adesão às orientações e tratamentos prescritos pelos profissionais de saúde, fatores essenciais para o controle e o sucesso terapêutico de doenças como a TB [10].
A propagação da TB está intimamente ligada às condições de vida da população. Sua prevalência é maior nas periferias das grandes cidades. Além disso, em grandes centros urbanos, é frequente a presença de áreas com alta densidade populacional, onde os moradores enfrentam condições de vida e saúde adversas, o que os torna mais vulneráveis à tuberculose. Essa enfermidade apresenta forte relação com determinantes sociais, sendo a pobreza um fator que influência desde a exposição e transmissão até os resultados do tratamento. Nesse contexto, políticas públicas de proteção social, como o programa Bolsa Família, têm demonstrado impacto positivo, contribuindo para a redução da incidência da doença, o aumento das taxas de cura e a diminuição do abandono do tratamento [11].
No caso específico de Maceió, capital de Alagoas, essa relação entre vulnerabilidade social e TB torna-se ainda mais evidente. No presente estudo, observou-se que 67,56% dos casos notificados estavam concentrados nessa cidade, o que reforça a importância de considerar as desigualdades urbanas na formulação de estratégias de controle da doença. A alta densidade populacional, associada à precariedade das condições habitacionais e à limitada cobertura de serviços de saúde em algumas regiões da capital, contribui significativamente para esse cenário. Dessa forma, é imprescindível que as políticas públicas voltadas ao enfrentamento da tuberculose em Maceió incluam ações intersetoriais que promovam melhorias nas condições de vida e ampliem o acesso à atenção básica, com enfoque especial nas populações em situação de maior risco.
De acordo com o Ministério da Saúde, diversos estudos epidemiológicos também apontam a predominância da forma pulmonar da TB em relação à extrapulmonar, corroborando os dados desta pesquisa. Tal informação é relevante, pois a forma pulmonar é a única com impacto epidemiológico significativo, por possibilitar a transmissão da doença entre indivíduos via eliminação de gotículas respiratórias durante a fala, tosse ou espirro e contribuir, assim, para a manutenção do ciclo de transmissão da TB.
Vale salientar que a duração do tratamento será decidida de acordo com a evolução laboratorial e a disponibilidade de fármacos efetivos: fase intensiva de seis a oito meses, com pelo menos duas culturas negativas; considerar estender a fase intensiva, na demora na negativação da baciloscopia na fase intensiva, se não houver três fármacos efetivos na fase de manutenção, ou quando houver suspeita de resistência à fluoroquinolona; fase de manutenção até completar 18 a 24 meses, com pelo menos três culturas negativas [2].
Esse cenário pode estar diretamente relacionado aos altos índices de abandono encontrados. Compreende-se que TDO configura-se como uma estratégia essencial no enfrentamento da TB, sendo uma recomendação da OMS e adotada pelo Programa Nacional de Controle da Tuberculose no Brasil. Essa abordagem consiste no acompanhamento sistemático do paciente por um profissional de saúde que supervisiona a administração dos medicamentos durante todo o período de tratamento. O principal objetivo do TDO é assegurar a adesão regular à terapia, evitando o abandono e, consequentemente, reduzindo o risco de falhas terapêuticas. Além disso, essa prática é fundamental para prevenir o desenvolvimento de cepas resistentes aos medicamentos, um dos maiores desafios no controle da TB em âmbito global [12].
Investigações epidemiológicas sobre a TB-DR são essenciais para ampliar o entendimento sobre os padrões de resistência do bacilo, bem como reconhecer os principais fatores associados à sua ocorrência, como interrupção do tratamento, uso inadequado de fármacos e presença de comorbidades. O estudo epidemiológico desemprenha um papel estratégico no direcionamento de Políticas Públicas, no aprimoramento das ações de controle da doença e no fortalecimento da vigilância em saúde, contribuindo para reduzir a transmissão de cepas resistentes e melhorar os resultados terapêuticos.
Diante disso, a presente pesquisa teve como proposta analisar o perfil clínico e epidemiológico dos casos de TB-DR no Estado de Alagoas, com o intuito de subsidiar a formulação de estratégias de intervenção no contexto estudado.
A pesquisa também se destaca pela sua relevância na Saúde Pública, ao oferecer evidências capazes de qualificar o cuidado, orientar práticas baseadas em dados concretos e apoiar a atuação dos serviços de atenção à TB.
Entre as limitações, ressalta-se o uso de dados secundários, os quais podem apresentar falhas de preenchimento, subnotificações ou a ausência de informações importantes, podendo impactar a completude da análise. Apesar disso, o estudo se fortalece por proporcionar uma visão detalhada do cenário local da TB-DR, contribuindo para a identificação de padrões relevantes e para a geração de informações úteis à tomada de decisão em saúde coletiva. Em vista disso, esta pesquisa representa uma contribuição significativa ao enfrentamento da TB-DR e ao aperfeiçoamento das ações voltadas ao seu controle.
Ampliar os estudos sobre a tuberculose é fundamental, especialmente considerando que sua incidência está fortemente relacionada aos determinantes sociais da saúde. Esses determinantes refletem diretamente as condições de vida da população, moldadas por fatores estruturais como os modelos de produção e organização social. No caso da tuberculose resistente a medicamentos (TB-DR), esses desafios tornam-se ainda mais complexos. O abandono do tratamento é um dos principais entraves ao controle da doença, pois além de manter ativa a cadeia de transmissão, favorece o surgimento de cepas resistentes, prolonga o tempo de tratamento, aumenta a gravidade dos casos, eleva os custos e contribui para a mortalidade.
Diante disso, o acesso à informação adequada sobre a doença e sua cura é essencial para estimular a adesão ao tratamento. A ausência desse conhecimento pode levar ao abandono, reforçando a necessidade de políticas públicas que não apenas promovam campanhas educativas, mas também melhorem as condições socioeconômicas da população. Neste contexto, a investigação sobre a TB-DR no estado de Alagoas mostrou-se essencial para o delineamento de estratégias mais eficazes de enfrentamento. No entanto, foi possível observar falhas no preenchimento de variáveis importantes, o que evidencia fragilidades nos sistemas de notificação e vigilância.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.
Fontes de financiamento
Não houve financiamento.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Feitosa RR, De Lima MS; Coleta de dados: Feitosa RR, Santos AKL, Lima MS; Análise e interpretação dos dados: Feitosa RR, Santos AKL, Lima MS; Redação do manuscrito: Feitosa RR, Santos AKL, Freitas MG, Lima MS, De Lima UTS; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Freitas MG, Lima MS, De Lima UTS.
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