Enferm Bras. 2025;24(2):2246-2260
doi: 10.62827/eb.v24i2.4053

ARTIGO ORIGINAL

Impactos da Síndrome de Burnout na qualidade de vida dos profissionais de Enfermagem na Atenção Primária em Saúde

Ana Laura Pereira da Conceição1, Ana Cleides Pereira dos Santos1, Luiz Alexandre Pereira de Toledo1, Anna Júlia Soares Faustino1, Geovanna Venâncio da Silva1, Witória Aparecida Percival dos Santos1, Tais Carpes Lanes2, Camila Antunez Villagran1

1Universidade de Rio Verde (UniRV), Rio Verde, GO, Brasil

2Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil

Recebido em: 28 de Abril de 2025; Aceito em: 12 de Maio de 2025.

Correspondência: Camila Antunez Villagran, camilaantunezvillagran@gmail.com

Como citar

Conceição ALP, Santos ACP, Toledo LAP, Faustino AJS, Silva GV, Santos WAP, Lanes TC, Villagran CA. Impactos da Síndrome de Burnout na qualidade de vida dos profissionais de Enfermagem na Atenção Primária em Saúde. Enferm Bras. 2025;24(2):2246-2260. doi: 10.62827/eb.v24i2.4053

Resumo

Introdução: O ambiente de trabalho do profissional de enfermagem, se torna um estressor para o desenvolvimento da Síndrome de Burnout. O enfermeiro atuante na Atenção Primaria em Saúde, possui uma alta sobrecarga de trabalho, o que leva a um esgotamento profissional. Objetivo: Compreender os impactos da Síndrome de Burnout na qualidade de vida dos profissionais de enfermagem que atuam na Atenção Primária em Saúde. Métodos: Trata-se de um estudo exploratório, descritivo de abordagem qualitativa, que foi desenvolvido na Atenção Primária à Saúde com enfermeiros e técnicos de enfermagem. Assim, 175 profissionais participaram de uma entrevista agendada previamente nas Unidades de Saúde. Foi lido e assinado o Termo de Confidencialidade dos dados e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do estudo. Resultados: Os profissionais acometidos pela Síndrome de Burnout não demonstravam mais interesse à prestação de serviço, dentro do ambiente de trabalho, sendo impactados: pelos estressores vivenciados diariamente, pela baixa remuneração, pela sobrecarga de trabalho e pela falta de reconhecimento, o que acaba gerando uma assistência frágil. Conclusão: Nesse estudo, a Síndrome de Burnout afetou: a qualidade de vida dos profissionais de enfermagem, bem-estar físico, mental e emocional. Diante do estudo realizado, se faz necessário, que as instituições de saúde adotem estratégias favoráveis para a prevenção da Síndrome de Burnout entre os profissionais de enfermagem.

Palavras-chave: Esgotamento Profissional; Atenção Primária à Saúde; Angústia Psicológica; Enfermagem.

Abstract

Impacts of Burnout Syndrome on the Quality of Life of Nursing Professionals in Pri-mary Health Care

Introduction: The nursing work environment can act as a significant stressor, contributing to the development of Burnout Syndrome. Nurses working in Primary Health Care are particularly affected due to excessive workloads, often resulting in professional exhaustion. Objective: To understand the impact of Burnout Syndrome on the quality of life of nursing professionals working in Primary Health Care settings. Methods: This is an exploratory and descriptive qualitative study conducted with nurses and nursing technicians in Primary Health Care. A total of 175 professionals participated in previously scheduled interviews at health units. All participants signed the Data Confidentiality Agreement and the Informed Consent Form. Results: Professionals affected by Burnout Syndrome reported a lack of motivation and interest in their work activities. Contributing factors included daily stressors, low wages, excessive workloads, and lack of professional recognition, which led to weakened care delivery. Conclusion: Burnout Syndrome negatively affected the physical, mental, and emotional well-being of nursing professionals, compromising their quality of life. It is essential for healthcare institutions to implement preventive strategies to mitigate the occurrence of Burnout Syndrome among healthcare workers.

Keywords: Burnout; Primary Health Care; Psychological Distress; Nursing.

Resumen

Impactos del Síndrome de Burnout en la Calidad de Vida de los Profesionales de En-fermería en Atención Primaria de Salud

Introducción: El entorno laboral del profesional de enfermería puede actuar como un importante factor estresante, contribuyendo al desarrollo del Síndrome de Burnout. Los enfermeros que trabajan en la Atención Primaria de Salud se ven particularmente afectados debido a la sobrecarga laboral, lo que suele derivar en agotamiento profesional. Objetivo: Comprender el impacto del Síndrome de Burnout en la calidad de vida de los profesionales de enfermería que actúan en la Atención Primaria de Salud. Métodos: Se trata de un estudio cualitativo, exploratorio y descriptivo, realizado con enfermeros y técnicos de enfermería en el ámbito de la Atención Primaria de Salud. Participaron 175 profesionales, quienes fueron entrevistados en encuentros previamente agendados en las unidades de salud. Todos firmaron el Término de Confidencialidad de Datos y el Consentimiento Informado. Resultados: Los profesionales afectados por el Síndrome de Burnout manifestaron falta de motivación e interés en las actividades laborales. Entre los factores contribuyentes se destacaron los estresores diarios, los bajos salarios, la sobrecarga de trabajo y la falta de reconocimiento profesional, lo que resultó en una atención debilitada. Conclusión: El Síndrome de Burnout afectó negativamente el bienestar físico, mental y emocional de los profesionales de enfermería, comprometiendo su calidad de vida. Es fundamental que las instituciones de salud implementen estrategias preventivas para reducir la ocurrencia del Síndrome de Burnout entre los trabajadores sanitarios.

Palabras-clave: Agotamiento Profesional; Atención Primaria de Salud; Distrés Psicológico; Enfermería.

Introdução

No contexto brasileiro, a Síndrome de Burnout ocupa a segunda posição no ranking mundial, reconhecida pelo Ministério da Saúde, como uma resposta prolongada a estressores crônicos no trabalho de ordem emocional e interpessoal. Segundo o CID-10, está vinculada aos fatores que influenciam o estado de saúde, gerando potenciais riscos, que são relacionados a questões de ordem: socioeconômicas e psicossociais, ritmo penoso de trabalho e, ainda, outras dificuldades físicas e mentais do trabalho [1].

Com este artigo, visa-se que, a Síndrome de Burnout, deixe de ser tratada exclusivamente com foco nos fatores desencadeantes, e tenha uma perspectiva de identificação de estratégias, que promovam o bem-estar e a saúde mental dos profissionais de enfermagem [2]. Os impactos que foram gerados pela pandemia no âmbito da saúde mundial e nas mudanças na dinâmica de trabalho podem pendurar por muito tempo, visto que a exposição do trabalhador de saúde nessa nova realidade pode gerar impactos negativos a sua saúde [3].

A prevalência da Síndrome de Burnout é elevada entre os profissionais de saúde, em geral entre os enfermeiros [4]. O enfermeiro quando atuante na Atenção Primária de Saúde (APS) possui muitos afazeres, o que leva a uma sobrecarga de trabalho e consequentemente ao esgotamento emocional, o que se caracteriza como a Síndrome de Burnout, cujas causas são desencadeadas por um processo de estresse emocional e interpessoal, prejudicando a relação do profissional com o trabalho e os demais membros de equipe, impactando diretamente na prestação de assistência de da enfermagem ao paciente [5].

A Síndrome de Burnout não se trata de uma condição aguda, a síndrome é uma resposta ao estresse insolúvel e persistente no ambiente de trabalho [3]. A equipe de enfermagem em especial, estão expostos diariamente a fatores de estresse dentro do ambiente de trabalho, independentemente de trabalhar na assistência direta ao paciente ou na área administrativa [6].

A Síndrome de Burnout associa-se com os diagnósticos de: ansiedade, depressão, gastrite, licença saúde e o consumo desenfreado de cigarros [7]. O profissional acometido tende a diminuir seu rendimento no trabalho e desenvolve dificuldades, em relação ao convívio com a equipe, gerando impactos negativos na qualidade de vida devido a Síndrome de Burnout [6], é importante que o profissional seja apto a identificar os riscos capazes de desenvolver a síndrome [8].

As manifestações do adoecimento no âmbito social são: o degaste físico, emocional e mental, na esfera profissional, desenvolvendo a insatisfação e a intenção de abandonar o emprego [9]. A ocorrência de níveis elevados da Síndrome de Burnout nos profissionais, acarreta o desejo da mudança de função ou até mesmo de instituição, não levando em consideração o tempo de serviço prestados, comprovando que as condições do exercício atual são determinantes a percepção de um nível maior da Síndrome de Burnout [4].

As estratégias de prevenção para a Síndrome de Burnout nos profissionais de enfermagem, são de nível individual e organizacional. O profissional enquanto indivíduo, precisa desenvolver o autocontrole do estresse e o autorreconhecimento para que o mesmo consiga identificar os sinais e sintomas da Síndrome de Burnout, para promover a melhora de sua saúde mental. No âmbito organizacional, é necessário que se adote condições favoráveis para desenvolver um ambiente de trabalho mais saudável, com a prevenção da Síndrome de Burnout [2].

As condições que os profissionais de enfermagem enfrentam em seu ambiente de trabalho precisam com urgência serem revistas, levando em consideração a responsabilidade pela saúde daqueles que cuidam dos outros, visto que na maioria das vezes, colocam seu bem- estar em segundo plano [7].

Os gestores devem tomar conhecimento sobre a importância de ações que trarão benefícios, tanto para os profissionais, quanto para a instituição em que atuam. Ainda que grande parte dos profissionais julguem como boa a sua qualidade de vida, muitos desses relacionaram os sintomas a rotina de trabalho, confirmando assim, a influencia negativa, em relação aos sintomas da Síndrome de Burnout [6]. Medidas de prevenção devem ser adquiridas para que assim se tenha uma satisfação profissional [5], visando: diminuir o estresse, aumentar a autoestima e o autocuidado gerando assim, um ambiente de trabalho saudável [10]. O profissional que mantém uma rotina de lazer possui um fator de proteção contra a Síndrome de Burnout [7].

Dada a importância de saber sobre como a Síndrome de Burnout afeta a vida dos profissionais de enfermagem, seguiu-se o seguinte questionamento: Quais os impactos da Síndrome de Burnout na qualidade de vida dos profissionais de enfermagem? Descreveu-se os impactos da Síndrome de Burnout, na qualidade de vida, dos profissionais de enfermagem na Atenção Primária.

Métodos

Estudo exploratório, descritivo de abordagem qualitativa, que visa explorar o objeto deste estudo, através da coleta de dados com os participantes, descrevendo fatos associados ao tema [11], seguindo as normas do Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ).

O campo de estudo do projeto foram as Clínicas da Família, voltadas para Atenção Primária de Saúde (APS), localizadas na região Centro-Oeste do Brasil. Realizado em 19 Clínicas da Família, que oferecem serviços básicos de saúde, como: consultas de enfermagem, consultas médicas, atendimentos odontológicos, atendimento psicológico, vacinação, entre outros.

A pesquisa contou com a participação de 175 profissionais atuantes na APS. Sendo a população alvo enfermeiros e técnicos de enfermagem, dos quais foram 70 enfermeiros e 105 técnicos de enfermagem.

Foram incluídos na amostragem enfermeiros e técnicos de enfermagem com no mínimo um mês de atuação na APS ou nos serviços de saúde. Foram excluídos os profissionais, que desistiram da sua participação, durante a coleta de dados da pesquisa.

Para a condução da entrevista semiestruturada utilizou-se um guia contemplando as questões que abrangem o contexto e rotina profissional. A entrevista semiestruturada seguiu um roteiro pré-definido contendo perguntas abertas e fechadas, facilitando a abordagem ao participante [12]. As questões relacionadas a entrevista, abordaram as temáticas: sobre Síndrome de Burnout. Foram levantadas perguntas sobre a exaustão emocional, os fatores que causam o estresse e o desenvolvimento da Síndrome de Burnout.

A coleta de dados qualitativa ocorreu via bola de neve, em que o primeiro participante escolhido por sorteio, indicou o próximo participante e assim por diante. As entrevistas foram finalizadas mediante a saturação dos dados e realizadas em sala privativa de forma presencial e individual.

Os profissionais de enfermagem foram convidados para participar das entrevistas presenciais, que foram agendadas previamente, conforme a disponibilidade de horário dos profissionais. Foi firmado o Termo de Confidencialidade dos Dados e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) que contém: os objetivos, riscos e benefícios do estudo. As entrevistas foram realizadas seguindo o modelo semiestruturado, foram gravadas e após transcritas em um editor de texto, Word. Para que as identidades dos participantes fossem preservadas, os enfermeiros passam a ter os pseudônimos Enf 1, Enf 2, e os técnicos de enfermagem TE 1, TE2, e assim por diante, respeitando a ordem cronológica que foram realizadas as entrevistas. As entrevistas duraram em média de 6 a 19 minutos e a sua realização foi no mês de março de 2024.

As informações foram organizadas pelo software NVIVO e posteriormente pela Análise textual discursiva (ATD) que possibilitou compreender as factibilidades e discursos dos participantes envolvidos na pesquisa, mediando a produção de significados. Todo este processo produziu meta-textos analíticos que compõem os textos interpretativos [11].

Esta metodologia, por ser fenomenológico-hermenêutico tem uma perspectiva transformadora das realidades de pesquisa, também se aproxima de perspectivas dialéticas, as transformações que se pretende constituir nos próprios movimentos de construção de novas compreensões dos fenômenos e discursos com que se envolve. A organização da ATD pode ser compreendida em três etapas: Unitarização: é realizada através de uma leitura detalhada em torno do “corpus”, sendo um conjunto de informações, que juntas formaram a pesquisa, no qual são selecionados elementos, que podem representar o sentido das partes analisadas e, são definidas como unidades de sentido; Categorização: busca estabelecer a ordem em que se tem como exercício o estabelecimento de relações semânticas, entre as unidades de sentido, organizando-as em categorias e meta texto: a terceira etapa da análise consiste na expressão das relações tecidas pelo pesquisador nas categorias informação, as quais possibilitam ao pesquisador apresentar as ideias presentes nos conjuntos de informações [11].

Utilizou-se neste trabalho normas e diretrizes, que regulamentam pesquisas com seres humanos, instituídas, por meio da Resolução no 466/12 [13], com aprovação do CEP sob o parecer n° 6.573.385. Foi firmado o Termo de Confidencialidade dos Dados e o TCLE contendo os objetivos, riscos e benefícios do estudo, sendo entregue uma cópia assinada para o participante e outra para o pesquisador. Assim, garantindo o direito à privacidade e a desistência da participação da pesquisa em qualquer momento, não havendo exposição pública de nenhuma pessoa ou de suas informações, podendo seguir ou cessar a participação na pesquisa.

Resultados

Participaram do estudo 11 profissionais de Enfermagem, dos quais 36% (n=4) eram Enfermeiros e 64% (n=7) Técnicos de Enfermagem, dos quais eram do sexo feminino 82% (n= 9) e do sexo masculino 18% (n=2).

A Síndrome de Burnout se caracteriza em três dimensões, sendo elas: despersonalização, exaustão emocional e baixa realização profissional. Os profissionais entrevistados destacam especialmente a despersonalização, que se manifesta como a perda de empatia, tanto com os pacientes, quanto com os colegas de trabalho. Esta falta de conexão impacta negativamente a qualidade do atendimento prestado, pois o profissional nessa condição tende a não buscar soluções para os problemas e a demonstrar desinteresse pelo bem-estar alheio.

“Essa síndrome descaracteriza a pessoa, [...] no estado de fragilidade não consegue empreender em favor de outra pessoa.” (TE 7).

A despersonalização faz com que o profissional perca o foco, tanto no paciente, quanto em si mesmo, levando a uma sensação de insignificância, em relação às demais pessoas e afetando sua própria percepção, sobre seu papel e valor no ambiente de trabalho.

“Deu eu não conseguia concentrar, não conseguia pensar em nada, nem no paciente em si, nem em mim.” (Enf 1).

A sobrecarga de trabalho é um fator determinante, para o desgaste mental dos profissionais, especialmente aqueles que acumulam múltiplos vínculos empregatícios. Os participantes relatam que essa carga excessiva se traduz em altos níveis de estresse, seja pela jornada extenuante, pelo número elevado de pacientes por profissional ou pela multiplicidade de funções assumidas além das previstas.

“Eu fazia além do meu serviço, mais um bocado.” (Enf 1).

“A demanda de pacientes que é muito grande [...] afeta o paciente também.” (TE 2).

“Quando eu não estou no serviço, estou no outro. [...] Fica muito difícil no momento.” (TE 7).

O estresse excessivo não só prejudica o bem-estar do profissional, mas também compromete a qualidade do atendimento ao paciente. Um profissional sobrecarregado e exausto pode refletir esse estado emocional em sua postura, causando um impacto negativo no ambiente de trabalho e na experiência do paciente.

“Estava muito estressada, era perigoso tanto em um profissional quanto no paciente.” (Enf 1)

A exaustão emocional, uma das principais dimensões da Síndrome de Burnout, refere-se ao esgotamento físico e mental, que impede o profissional de exercer suas funções com qualidade. Quando exausto, o profissional perde a capacidade de prestar um atendimento eficiente, comprometendo a assistência oferecida aos pacientes.

“Se eu estou esgotada, se eu não estou bem, eu não estaria bem para ajudar, defender, contribuir para esse paciente.” (TE 1).

“Afetou de forma muito ampla, em todos os sentidos [...] não era capaz de cuidar de ninguém com eficácia.” (TE 7).

A insatisfação profissional frequentemente acompanha a exaustão emocional, alterando a percepção do trabalhador sobre seu próprio ambiente de trabalho. O descontentamento gera desmotivação, levando o profissional a desempenhar suas funções com menor empenho.

“A insatisfação e a exaustão são o principal.” (TE 4).

A convivência com os colegas de trabalho pode ser um fator adicional de estresse. A falta de: cooperação, respeito e apoio entre os membros da equipe intensifica a sobrecarga, tornando o ambiente mais hostil e desgastante.

“O estresse às vezes é com os próprios colegas que não respeitam o outro.” (TE 2).

Além disso, a alta demanda de pacientes e o tumulto gerado em alguns momentos do atendimento contribuem para a tensão vivenciada pelos profissionais. A discrepância entre o número de pacientes e a quantidade de profissionais disponíveis agrava ainda mais esse cenário.

“O tumulto, muitos pacientes [...] deixa a gente estressado.” (TE 3).

Profissionais que já chegam ao trabalho sob alto nível de estresse podem comprometer não apenas sua própria produtividade, mas também, o funcionamento da equipe como um todo, dificultando a dinâmica e a cooperação entre os colegas.

“Quando o profissional já vem trabalhar estressado, prejudica até a equipe quase toda.” (Enf 4).

A baixa realização profissional leva à perda do interesse pelo trabalho e impacta diretamente no desempenho da equipe. Quando um profissional se torna desmotivado, a produtividade coletiva é afetada, já que suas responsabilidades acabam sendo redistribuídas entre os colegas, sobrecarregando-os ainda mais.

“O desinteresse de alguns profissionais [...] prejudica muita gente no dia a dia.” (TE 4)

Outro fator que contribui para a baixa realização é a percepção de desvalorização profissional, especialmente quando a remuneração não condiz com as exigências e responsabilidades da função. Além disso, a falta de união entre os membros da equipe intensifica a sensação de isolamento e desmotivação.

“A insatisfação com os salários, [...] a falta de união prejudica muita gente.” (Enf 2)

A seguir, apresenta-se um quadro síntese com os principais achados da pesquisa:

Quadro 1 – Dimensões da Síndrome de Burnout identificadas nos relatos dos profissionais de Enfermagem

Dimensão

Evidências nos Relatos

Consequências Observadas

Despersonalização

“Não conseguia pensar em nada, nem no paciente em si, nem em mim.” (Enf 1)

Redução da empatia, distanciamento afetivo, atendimento impessoal

Exaustão Emocional

“Se eu estou esgotada, [...] não estaria bem para ajudar.” (TE 1)

Cansaço crônico, falta de energia, prejuízo na assistência ao paciente

Baixa Realização Profissional

“O desinteresse de alguns profissionais [...] prejudica muita gente.” (TE 4)

Desmotivação, perda de sentido no trabalho, queda de produtividade

Sobrecarga e Estresse

“Fazia além do meu serviço, mais um bocado.” (Enf 1)

Adoecimento físico e mental, falhas na assistência, tensão interpessoal

Relacionamento interpessoal

“O estresse às vezes é com os próprios colegas que não respeitam o outro.” (TE 2)

Ambientes hostis, falta de apoio mútuo, agravamento do sofrimento psíquico

Fonte: Elaboração dos autores.

Os resultados revelam que, a Síndrome de Burnout se manifesta de forma multifacetada, entre os profissionais de Enfermagem, afetando não apenas a qualidade do cuidado prestado, mas também a saúde mental e emocional dos trabalhadores. A sobrecarga de trabalho, os conflitos interpessoais e a desvalorização profissional são fatores estruturais que agravam esse quadro, demandando intervenções institucionais voltadas ao acolhimento, valorização e suporte emocional da equipe de enfermagem.

A figura 1 ilustra de maneira simplificada e pedagógica o ciclo de impacto da Síndrome de Burnout nos profissionais de Enfermagem. A representação divide-se em cinco grandes blocos interligados, evidenciando a sequência lógica dos fatores causadores, manifestações e consequências da Síndrome de Burnout:

Fonte: Elaboração dos autores.

Figura 1 – Fluxograma didático dos impactos da Síndrome de Burnout na qualidade de vida dos profissionais de Enfermagem

A Figura 1 apresenta, de forma didática, os principais impactos da Síndrome de Burnout, na qualidade de vida dos profissionais de Enfermagem, organizando-os em uma sequência lógica, que evidencia o processo de adoecimento. Inicialmente, destacam-se os fatores desencadeantes, como: a sobrecarga de trabalho, os múltiplos vínculos empregatícios e o acúmulo de funções, os quais são apontados como causas recorrentes de estresse crônico entre os profissionais. A partir desses fatores, desenvolve-se a Síndrome de Burnout propriamente dita, caracterizada pelas suas três dimensões clássicas: exaustão emocional, despersonalização e baixa realização profissional.

Essas manifestações impactam diretamente no profissional, gerando: estresse elevado, desmotivação, sensação de inutilidade e declínio da autoestima, comprometendo tanto sua saúde mental, quanto sua capacidade de atuação. Em seguida, observa-se o reflexo desse adoecimento no ambiente de trabalho, com: deterioração das relações interpessoais, falta de cooperação entre colegas e aumento dos conflitos, o que afeta negativamente o clima organizacional.

Por fim, os efeitos também são percebidos: na assistência do paciente, com redução da qualidade do cuidado prestado, postura indiferente dos profissionais e aumento do risco de falhas assistenciais. Importa destacar que, o fluxograma evidencia o caráter cíclico desse processo: os impactos no ambiente e na assistência podem intensificar os fatores iniciais, perpetuando o ciclo da Síndrome de Burnout. Assim, a representação contribui para a compreensão dos múltiplos efeitos da Síndrome de Burnout e ressalta a importância de medidas institucionais de prevenção e valorização dos profissionais de Enfermagem.

Discussão

A despersonalização, uma das dimensões da Síndrome de Burnout, se manifesta por: uma postura fria, cínica e impessoal dos profissionais, em relação aos pacientes, resultando em um comportamento automatizado nas interações. Como consequência, a qualidade do atendimento é comprometida, impactando negativamente a experiência dos pacientes [14].

Os enfermeiros enfrentam diversas fontes de estresse no ambiente de trabalho, sendo a sobrecarga de tarefas, os baixos salários e os múltiplos vínculos empregatícios fatores que aumentam significativamente o risco de desenvolver distúrbios mentais [15]. A rotina acelerada nos serviços de saúde e a pressão constante afetam diretamente a saúde do trabalhador, influenciando a qualidade da assistência prestada ao paciente [16].

A relação entre a Síndrome de Burnout e a segurança do paciente é um aspecto crítico a ser considerado. Profissionais que apresentam altos níveis de: exaustão emocional, despersonalização e insatisfação pessoal estão mais propensos a cometer erros e a apresentar um cuidado menos efetivo [17]. A exposição prolongada ao estresse ocupacional está diretamente relacionada ao desenvolvimento da Síndrome de Burnout, sendo os técnicos de enfermagem, os mais vulneráveis devido às condições de trabalho e às demandas da profissão [18].

Na APS, os profissionais de enfermagem também estão expostos a fatores estressores significativos, como: a alta demanda de atendimento, a complexidade das condições de saúde dos usuários e a cobrança por indicadores de desempenho. A necessidade de estabelecer vínculo com a comunidade, aliada à pressão por resultados, pode intensificar os sintomas da Síndrome de Burnout [19]. A insuficiência de recursos materiais e humanos na APS também contribui para a sobrecarga dos profissionais, dificultando a prestação de um cuidado integral e qualificado [20].

Com o tempo, o profissional que antes era engajado e eficaz no cuidado aos pacientes pode se desgastar e perder o interesse pelo trabalho, reduzindo sua motivação e comprometendo seu desempenho [21].

A convivência com os colegas de trabalho também desempenha um papel fundamental na manutenção da saúde mental dos profissionais de enfermagem. Ambientes de trabalho hostis, marcados por falta de apoio, conflitos interpessoais e desrespeito, podem intensificar o estresse ocupacional e acelerar o desenvolvimento da Síndrome de Burnout [22]. O suporte entre colegas, por outro lado, tem sido apontado como um fator protetor contra o desgaste emocional, promovendo um ambiente mais colaborativo e reduzindo os impactos negativos do estresse [23].

Profissionais que atuam em áreas de: urgência, emergência e unidades de terapia intensiva estão especialmente vulneráveis, pois lidam com altas demandas e trabalham sob pressão contínua, o que pode levar a um intenso desgaste físico e mental [24]. A carga excessiva de trabalho, as condições adversas e a natureza exigente da profissão são fatores-chave, que contribuem para o estresse ocupacional nesses contextos [25].

A insatisfação profissional também associa-se: à baixa remuneração, à falta de reconhecimento e ao esgotamento emocional. Esses fatores frequentemente resultam em frustração e no desejo de mudar de emprego, comprometendo a continuidade e a qualidade da assistência prestada [26].

Este estudo apresentou algumas limitações a serem consideradas, pelo fato de seu desenvolvimento em um único município, os resultados não podem ser generalizados, para outras realidades geográficas ou culturais. Além disso, o recorte temporal da coleta de dados pode não captar as mudanças ou variações, que ocorrem ao longo do tempo.

Apesar dessas limitações, este estudo apresenta importantes potencialidades para a área da Enfermagem. Os achados evidenciam a relevância da escuta qualificada como ferramenta essencial no cuidado, promovendo acolhimento e valorização das suas experiências subjetivas. Contribuem ainda para o desenvolvimento de ações de cuidado: mais humanizadas, personalizadas e centradas na integralidade do ser. Os dados obtidos podem subsidiar: a construção de protocolos assistenciais, fluxos de atendimento e ações educativas, fortalecendo a prática da Enfermagem, baseada em evidências.

Conclusão

Houve impactos da Síndrome de Burnout na qualidade de vida dos profissionais de enfermagem, afetam diversas dimensões, como: bem-estar físico, mental e emocional. A despersonalização, a exaustão emocional e a baixa realização profissional são elementos centrais da Síndrome de Burnout que, ao se manifestarem no cotidiano dos profissionais, comprometem não apenas a qualidade da assistência prestada aos pacientes, mas também, a saúde e motivação dos trabalhadores.

A sobrecarga de trabalho, o estresse constante e as condições adversas no ambiente laboral, como a falta de apoio e a baixa remuneração, agravam o quadro da síndrome e intensificam o desgaste físico e psicológico dos profissionais. Esses fatores geram uma sensação de desvalorização e desinteresse pela profissão, o que, por sua vez, afeta a dinâmica da equipe e prejudica o ambiente de trabalho como um todo.

Faz-se necessário que as instituições de saúde reconheçam a gravidade da Síndrome de Burnout e adotem estratégias para mitigar seus efeitos, como: a promoção de condições de trabalho mais equilibradas, o apoio psicológico para os profissionais e a melhoria das relações interpessoais nas equipes. Investir no cuidado da saúde mental dos profissionais de enfermagem não só contribuirá, para a melhoria da qualidade de vida desses trabalhadores, mas também, para a excelência no atendimento prestado aos pacientes, formando um ciclo virtuoso de bem-estar e qualidade na assistência.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.

Fontes de financiamento

Esta pesquisa não possui financiamento.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Conceição ALP, Lanes TC, Villagran CA; Coleta de dados: Faustino AJS, Silva GV, Santos WAP; Análise e interpretação dos dados: Conceição ALP, Lanes TC, Villagran CA; Redação do manuscrito: Conceição ALP, Santos ACP, Toledo LAP; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Villagran CA, Santos ACP, Toledo LAP.

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